Relato Delhi
SUFOCADO (Diário de bordo)
Sabe "sentir-se" sufocado é a minha primeira impressão sobre a Índia, do desespero, quase loucura, de estar aqui. Com o passar do dia tudo fica mais calmo e divertido.
Jama Majid é impressionante! Caminhar descalço pelo templo sagrado muçulmano vendo os pombos sobrevoando o minarete foi incrível, mas para chegar lá, foi emocionante, diria que fiquei em transe dentro do Tuc-Tuc, barulho de buzinas, pedintes me cutucando nos faróis, muita, mas muita gente caminhando pelo Paharganj, vários aromas testando meu olfato: urina, curry, poluição, incenso... O motorista falando o inglês arrastado, com pé cruzado e três imagens sagradas coladas no painel do tuc-tuc: Hanumam, Shiva e Ganesh, mas antes de tudo isso, uma incrível negociação de 200 rúpias para 80 rúpias para fazer o trajeto.
Na rua somos estrelas de tupiniquimwood... Não temos paz pelas ruas: “Quer ir ao shopping, Sir?”, “Kamasutra book, Sir...” Falei não umas cem vezes... As mulheres indianas desenhavam nas entradas das casas, no Complexo de Qutub Minar também é de pasmar: o minarete, o Iron Pilar, as colunas, o Fort...
O contraste de Paharganj, a paz e as várias ruínas da Cidade Antiga dos idos de 1300 são de animar nessa trip... Bem como o tempo é curto, mais oportunamente falo da compreensão da americanização em Delhi e as revoltas dos extremistas, como também dos gostos e aromas daqui, como também da influência britânica na região "Parlamentar"... Ufa, estou me sentindo um Tuc-Tuc buzinando: Tem corvo cantando, limpador de ouvido, ônibus, crianças sujas, templos, motorista de Tuc-Tuc que não sabe o caminho, lassi, neblina, caixão em frente das casas, e muita gente chamada Raj!
SUFOCADO (crônica)
A Índia por ser o que é (exótica, exuberante, esdrúxula, única!), sempre traz preocupação e ansiedade ao turista, que nela quer chegar... Ir para Índia é diferente, principalmente pelos mitos que a cercam. Então de antemão digo: “Entrar na Índia é a parte mais difícil da viagem!” e não importa por onde: Delhi ou Mumbai (que são as duas principais portas de entrada dos brasileiros) a chegada é complicada, e, ainda vou mais além, chegando a Delhi vá direto para o Paharganj (bairro na Old Delhi), você inicia sua trip no Inferno e tenta chegar ao Paraíso (Divina Comédia) Se sobreviver ao Paharganj, o restante vai ser moleza...
O caos fica lá, e junto ao maravilhoso Red Fort, está a inesquecível mesquita de Jama Majid e a mais louca estação de Trem: Old Delhi! As Pousadas mais baratas ficam por lá, o fedo, o barulho do transito e muita, mais muita gente mesmo, também estão lá...
Para mim, forasteiro tupiniquim, que vive em grandes metrópoles e está acostumado com a mídia apregoando a violência urbana, quando chego a Paharganj entro em colapso, achando que a qualquer momento você será furtado, e não é para menos, você vê muitos maltrapilhos te encarando, mendigos de verdade pedindo esmola a todo instante, você é exprimido no meio da multidão, entre carros, vacas, elefantes e Tuc-Tuc num transito desordenado... Em que na rua principal que dá acesso ao Jama Majid há uma mistura de banheiro e lanchonete a céu aberto, cuidado aonde vai colocar o pé hein! E a boca também...
Então imaginem os aromas e cheiros que nos permeiam: dá vontade de vomitar, tapar o ouvido, gritar, chorar, simplesmente tentar respirar... O primeiro impacto é terrível, mas acredite, a índia não é só isso e você acaba se acostumando ao caos e descobrindo que o país não é violento, muito menos há roubos, ou qualquer tipo de abuso a integridade física do turista...
Delhi também é o melhor lugar, para começar a entender os valores reais das coisas, utilizando a moeda indiana (rúpias). O indiano adora triplicar os valores dos serviços ou produtos oferecidos, que mesmo para nós brasileiros, o valor triplicado ainda é barato, ai fica a opção: levar chapéu ou tentar negociar o melhor preço (o valor real é quase impossível saber), no começo é divertido, mas depois se torna cansativo negociar toda hora...
O primeiro prejuízo foi para pegar o táxi do Aeroporto até o “Parlamento”. E como disse antes, chegar é a pior parte! Na maioria das vezes os voos internacionais só chegam à noite... O táxi é clandestino, você tenta negociar o valor, mas é tudo novo, não se tem a noção dos valores, pra piorar, à noite a neblina encobre a cidade, não se vê nada, na cabeça, a mentalidade da violenta São Paulo, o motorista com seu sotaque inglês, que se torna incompreensível por não estarmos acostumados (e amedrontados) e o albergue não chega, a tensão aumenta, você começa a imaginar que tudo está acabado, que se for roubado... Oh desespero!
E vale a pena lembrar, que dês da saída de São Paulo, viajei cerca de 24 horas de avião... Ansioso, preocupado e depois de tudo isso, se vê numa roubada, em um táxi clandestino, em terras estranhas, que a princípio parece ser terra de ninguém, mas como sempre, estava enganado...
Finalmente as duas da madruga, chegamos tanto fisicamente como mentalmente esgotados no Albergue, o único prejuízo, como sempre, foi a tarifa do táxi: 650 rúpias, como não tinha trocado... Os indianos sempre dizem que não tem troco, ficou por 700... Vivendo e aprendendo (O táxi custa no máximo 400)... Mais um adendo: cambiar moeda no aeroporto é sempre prejuízo, só a taxa cobrada já é uma facada... Vivendo e aprendendo II...
Depois do primeiro susto traumático, fica difícil de dormir e às três da manhã dá aquela ansiedade de sair pelas ruas da cidade e junto vem a preocupação: o que virá pela frente...Veio o Paharganj!!
Em Delhi, tudo é muito longe, não adianta andar a pé e se o fizer vão te infernizar a vida, vão te seguir a cidade toda, dizendo: “Venha no meu tuc-tuc, faço o melhor preço da cidade!” e como diria Virgílio: “Na cidade de Delhi há muito o que se ver!” No mínimo três dias, dá pra se fazer uma rápida visita pelo inferno. E por incrível que pareça, há outros bairros completamente diferentes do Paharganj.
Ao visitar a tumba de Humayum ou o complexo de Qutub Minar encontrará a paz, o paraíso escondido, na verdade, esses lugares turísticos são de difícil acesso aos indianos comuns, é a partir daí que você começa a descobrir onde pode relaxar finalmente no meio do caos...
Dês da invasão Mughal até a recente Independência indiana: o marco histórico de aproximadamente meio século fica em Delhi: a Gate. Há quinhentos anos, a Índia era dominada pelos muçulmanos (mughais), que na capital indiana ergueu seus fortes e palacetes! Depois disso Shah Jahan praticamente faliu o império com a construção do Taj Mahal, a capital indiana ficou “largada” até a colonização britânica dominar a Índia, e, reconstruir Delhi.
Quando se chega à região do Parlamento, onde fica o albergue, é possível começar a observar a influência britânica: ruas largas, longínquas com uma rotatória em seu final, essas ruas são repletas de casarões da época, que acabaram se transformando em consulados e casas dos embaixadores e dos diplomatas, que vivem na Índia, é um local, no meu ponto de vista, que contrasta com a Índia existente em sua essência: Local calmo, pragmático e melancólico (atrás dos casarões, ficam escondidos centenas de cortiços, que se tem acesso por uma estreita viela)...
Caminhamos cerca de duas horas pelo Parlamento e a paisagem não mudava, sem contar, que nos perdemos por várias vezes e andamos em círculos, pois tudo era muito igual e as rotatórias eram de enlouquecer...
Encontramos os primeiros islâmicos, pois na frente das casas os muçulmanos erguiam pequenas tumbas de seus entes. Seguindo por qualquer uma das rotatórias se chega a Connaught Place, considerado o centro de Delhi, erguido pelos Britânicos, e, no centro dessa grande rotatória uma praça, agora ao estilo Indiano, aqui turista não tem sossego, se o que procura é paz, não ponha o pé aqui...
Depois de dez segundos sentados, apareceram cinco limpadores de ouvido, vinham com um cotonete e um livro com fotos e técnicas de limpar o ouvido, limparam o ouvido da Ady, até regressar ao Brasil achava essa história de limpar o ouvido lorota, como tanta sujeira podia estar dentro do ouvido da minha amiga, também apareceram os vendedores de amendoim... Como o cheiro de urina começava a incomodar, deixamos o local, e um indiano nos acompanhava, que ao descobrir que éramos brasileiros vinha cantando aquarela do Brasil: "Na na na na na na!" Todos tentavam ganhar uns trocados conosco...
Outras marcas da influência Britânica são os automóveis com o volante do lado direito do carro, a estação de trem de Delhi, as roupas indianas... Parece que os Indianos saíram de um filme de 1850, as roupas são as mesmas daquela época: calça social, camisa branca e um chinelo básico. Algumas palavras da língua inglesa, após a colonização, foram acrescentadas ao Hindu, como: Sorry (pronunciado aqui como Sori) Excuse-me... O fato, é que depois da independência, os Britânicos literalmente “vazaram” e ninguém mais cuidou da Capital, a cidade cresceu desenfreadamente, junto veio a poluição e o caos urbano, na cidade se nota uma neblina, devido ao pó das construções do metrô.
A Connaught Place está em ruínas, apartamentos rachados, muros embolorados, sujeira pelas ruas, falta de saneamento básico, cheiro de urinas pelos corredores circulares, mas de repente, o corredor fica limpo! Pouca gente andando? O que acontece? Estes são os pequenos espaços protegidos por guardas locais: restaurantes e lojas ao modelo americano; é aqui que os taxistas deixam a elite local; é aqui que os turistas vêm almoçar; é aqui que fica a internet, a farmácia, os bancos, e, é aqui onde geralmente ocorrem os atentados extremistas...
É fácil, observar o contraste social, basta sair do corredor circular e ir para a rua, tudo muda com apenas um passo: nas ruas os indianos com as antigas roupas britânicas e as mulheres de sares, ou os islâmicos com seus turbantes brancos, do outro lado das colunas, jovens usando camisa pólo da Nike, tênis Adidas, garotas com calça jeans, batom e chapinha escutando música em seu Ipode;
Na rua vende-se samosa, pakora, em enormes caldeirões enferrujados com óleo que não se troca a uma semana, do lado de dentro de Fast Food tocam Madona e Beyonce, em outros restaurantes os garçons vestidos de vermelho, azul e branco servem os turistas.
Nós brasileiros por receber a influência do Tio Sam a quase um século, nem percebemos em nossas ruas o capitalismo reconstruindo nossa cultura, agora, para um país com mais de 2 mil anos de tradição, tendo Delhi uma forte concentração islâmica e vendo a herança capitalista americanizada causa certo desconforto a nós estrangeiros, parece que algo está errado...
SERPENTE AZUL
Quem pensou que os momentos terríveis de medo, senão, desespero tinham ficado na chegada do táxi ao albergue, está redondamente enganado!
Nos despedimos de Raj, já com saudades do café da manhã do albergue: pão com omelete e massala e chai, a princípio foi difícil tomar aquele chai, depois de ver as sujeiras de Paharganj, você acredita que tudo é incomível. Como Miguelito nada sofreu com o chai, fomos no embalo...
Ao sair do albergue, achamos que ia ser fácil arrumar um tuc-tuc, sabendo que os motoristas não dão sossego, mas não foi bem assim... Quando falávamos o destino “Old Delhi” o indiano subia calado no tuc-tuc e partia, ninguém queria nos levar a antiga estação de trem!
Começamos a ficar temerosos em perder o trem, a estação ficava em Paharganj do outro lado da cidade, e àquela hora da noite o transito deveria estar um caos dentro do caos costumeiro da Índia, resolvi procurar um ponto de taxi, que Raj disse ser um pouco mais a frente, fui pela escuridão, as meninas tremendo diziam: “Volta logo!”, mas sabe como é, até acabar a negociação com o taxista, elas já tinham quase desmaiado e vomitado todo o café com massala, já os taxistas: um monte de homens barbados com turbante, que lembravam as milícias do hesbollah. Disse onde pretendia ir, ninguém queria me levar, até que surgiu dois caras dos turbantes amarelos que disseram: “Nós levamos você, entre no carro!” o taxi: Um embaixador.
Meio temeroso entrei, indiquei onde estavam as meninas, colocaram todas os malas no carro e partimos, todos em silêncio, o outro homem que ia no banco da frente junto ao motorista só ficava nos observando do retrovisor. Eu atento observava o caminho, o trânsito, os barulhos das buzinas e nada da estação... E um pouco receoso, tentava imaginar o que nos esperava lá, se a reserva pela net daria certo! Também foi criada toda uma expectativa para andar nos famosos trens indianos, além do mais, chegar à noite em Old Delhi não era uma boa ideia, gostaria de tê-la conhecido pela manhã, mas...
Finalmente chegamos! A estação era imensa e colorida, descemos do táxi e mal tivemos tempo para respirar aliviados, era muita adrenalina e informação sendo recebida ao mesmo tempo, as garotas também estavam agitadas, entramos no hall da estação, muita gente pobre espalhada pelo chão, famílias inteiras maltrapilhas faziam a ceia ali, outros pedintes te puxavam a camisa pedindo esmola, ao mesmo tempo tentava ver no enorme painel, ora em híndi, ora em inglês as informações dos trens que partiriam e chegariam da estação, o número da plataforma e um outro horário, que infelizmente descobri o significado da pior maneira: Informava o tempo que o trem estava atrasado...
No guinche, centenas de indianos se espremiam tentando comprar algum bilhete, não tinha organização pra fila, desisti de pedir informação, fui por conta própria para a plataforma informada, do alto falante uma voz feminina informava a cada minuto as partidas e chegadas da estação, ora em híndi, ora em inglês.
A estação era escura e suja, as vacas ficavam disputando com os mendigos os restos de comida na plataforma, várias ratazanas circulavam pelos trilhos junto com vira-latas atrás de restos de comidas, que ficavam entre os trilhos, os trilhos também serviam de mictório para as pessoas que circulavam pela estação, nas plataformas havia quiosques que vendiam samosa, chai e nescafé falsificado. Os trens com seus vagões azuis passavam a todo instante pela plataforma, não ficavam mais que dois minutos na estação e logo partiam, as pessoas corriam e pulavam dentro do trem, todos abarrotados de indianos, engoli a seco já imaginando que aquela noite não seria tão fácil dentro do trem, procurava alguma informação no trem, como número, nome de onde vinha e para onde ia, mas nada encontrava, um indiano começou a puxar conversa, tudo naquele instante me causava apreensão, mas ele só queria tirar uma foto conosco, coisa de indiano, aproveitei para perguntar do trem que partia para Jodhpur, ele disse: “É aquele no fundo da plataforma!”
Compramos em um dos quiosques alguns pacotes de bolacha ‘Parle-G’, que viria a ser nossa grande e inseparável companheira das estações da Índia, chegamos ao trem, procurava o vagão descrito no bilhete impresso pela net, achei o vagão, na porta um papel com os nomes dos passageiros que embarcariam naquele vagão, nosso nome estava lá, um alívio, a reserva feita pela internet funcionou, entramos no vagão, agora em busca de nossa cama, aquele setor parecia mais uma lata de sardinha, nós quatro e mais vinte indianos para nove camas, isso mesmo, fora os intocáveis que iam chegando e sentando no chão do lado do banheiro, a privada era um buraco no chão... Arrumamos nossas camas, todos olhavam para nós, e conversavam muito alto em híndi, três homens se esmagavam em uma cama, colocamos nossas bagagens debaixo da cama inferior, tinha a cama do meio e a cama alta, uma sobre a outra, que cabia somente uma pessoa deitada, diversos vendedores passavam pelo corredor vendendo chai e chana massala. As pessoas que se sentavam ao nosso lado compravam as mercadorias dos vendedores, o trem começou a se mover, eu queria fechar os olhos, que apagasse a luz e eu acordasse só em Jodhpur, mas veio o funcionário da companhia checar os bilhetes, pediram o passaporte para conferir os nomes, todos os indianos ao nosso redor olhavam atentos, o trem seguia seu percurso, a cada nova estação como um passe de mágica, várias pessoas desciam, várias subiam, mas lá estavam eles amontoados a olhar pra gente, descobri que não havia nenhuma informação do local da parada e qual seria a próxima e da posição que ficava a cama de cima donde me acomodava, era difícil ver da janela qual estação estávamos, percebi naquele momento que não seria nada fácil viajar de trem pela Índia, ainda bem que o nosso destino era a última parada: Jodhpur!
A bota servia como travesseiro, percebi que todos indianos carregavam cobertas e que as janelas do trem além de barulhentas não fechavam e o vento entrava com toda força para dentro do vagão... Foi à noite mais fria da expedição, mas como que se acordasse do pesadelo o dia amanheceu, o trem parou, estávamos em Jodhpur, tínhamos sobrevivido àquela noite, esperamos o êxodo de indianos, para depois descermos mais calmos na estação, já quase vazia, como foi bom sentir o sol em meu rosto e poder ver o céu da cidade blue...
Marcelo Nogal





Viaje por Delhi
através das fotos >
A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS
1º PARHAGANJ
2º QTUB MINAR
3º HUMAYUM TUMB);
COMO CHEGUEI: AVIÃO DE SÃO PAULO - KLM - (22HS DE VIAGEM); DEPOIS TÁXI ATÉ O HOSTEL (1HORA);
ONDE FIQUEI: NEW DELHI YOUTH HOSTEL;
O QUE COMI: COMIDA INDIANA;
COMO ME LOCOMOVI: DE TUCTUC PELA CIDADE;
PRA ONDE FUI: PEGUEI TREM PARA JODHPUR - INDIANRALWAY;
