Relato Santa Cruz
DEPENDÊNCIA OU MORTE
Diz a lenda, ou melhor, todos os bolivianos que moram na região de Santa Cruz de Lá Sierra, que no próximo ano eles conseguirão a independência da Bolívia, mas sempre fica pro próximo ano e assim segue a humanidade.
Geralmente aqui rola um conflito com os bolivianos andinos, fecham as estradas, fazem suas reivindicações e por ai vai...
A bandeira verde e branca da região flâmula na Praça de Las Armas. A cidade é pichada com palavras hostis ao presidente do país... Esse conflito tem duas causas: uma as grandes riquezas minerais na região: Petróleo, dentre outros. A segunda causa são os conflitos raciais entre os nativos da região, que são chamados de ‘Negros’ e os descendentes dos colonizadores chamados de ‘Blancos’ que vivem na região de Santa Cruz, eu que não tenho nada a ver com isso, desembarquei no Terminal Bimodal (De trem e ônibus da cidade) do lado de fora se cambia o dólar, se pretende ficar mais de um dia, há dezenas de pousadas do outro lado da rua do terminal, com opções para todos os gostos, bolsos e estilos! Para se chegar ao centro se pega um coletivo, um táxi ou vai caminhando mesmo, em quarenta minutos você chega ao centro... Lá se pode conhecer a Igreja, o Museu, passear pela avenida das baladas, onde a noite rolam as melhores salsas da Bolívia, pode experimentar a famosa parrilhada local, uma delicia, e provar a cerveja boliviana dos ‘Blancos’... Ou se preferir faça como a maioria dos bolivianos: coma pollo! Ah, em Santa Cruz tem um enorme mercado de pollo! Que como diria meu amigo: “É surreal!” peça a um taxista para te levar, pois fica afastado do centro...
De Santa Cruz você pode seguir por dois caminhos: O primeiro que segue para o Norte boliviano indo em direção de Cochabamba ou La Paz e o segundo para o Oeste indo em direção de Sucre e Potosi por estradas sem asfalto, subindo e descendo morros, os ônibus sempre saem às 16hs e chegam no próximo dia no local desejado, cuidado com a propaganda enganosa no Bimodal, os ônibus e poltronas não são nenhum pouco parecidos com os das fotos coladas na agência, a taxa de embarque é paga separadamente e dá pra tomar uma ducha e tirar a poeira no terminal...
GOLPE BOLIVIANO
A história começa em Puerto Quijarro, quando encontrei as garotas conversando na sacada com Samuel, que se intitulava como ‘Cônsul Boliviano’!
Rapidamente se tornou amigo de todos, ao chegar à estação ferroviária, por ser cônsul, nos liberou o acesso aos vagões pela área vip do Trem De La muerte, evitando assim filas e tumultos no momento do embarque.
Durante o percurso até Santa Cruz conversamos muito, ele demonstrava ter uma cultura absurda, me explicou sobre a política, história, etnias, tradições bolivianas com exatidão...
Assim seguíamos de trem, até que nos ofereceu em nome da nossa breve amizade, a todos, que ficássemos hospedados no hotel de seu pai em Santa Cruz até a virada do ano. As garotas ficaram interessadas, eu não muito, tinha pressa, já conhecia Santa Cruz de La Sierra e seguia rumo ao Caribe, tinha apenas 40 dias de viagem.
Chegando ao terminal Bimodal, tive que mudar meus planos, muitos imigrantes bolivianos que moram em São Paulo, voltavam para casa para passar o final de ano com a família, ou seja, ônibus lotados: “Passagem para La Paz somente para o próximo dia às 16h, senhor!” o jeito era aceitar o convite e dormir uma noite ao menos no hotel do pai do ‘Samuka’, era assim que chamávamos nosso amigo de viagem.
Nos levou até o hotel, com arquitetura oriental, uns cinco estrelas da vida, o design era maravilhoso, nunca tinha ficado num hotel tão imponente, ainda mais de graça, fomos hospedados no terraço... As meninas deslumbradas riam a toa, não acreditavam estar naquele local de graça, eu achava muito estranho e como diz aquele velho ditado: “Esmola demais o santo desconfia...” Na lan house do hotel víamos pelo Orkut as fotos do consulado de São Paulo e de Samuel de terno e gravata. Nossos passaportes foram recolhidos para preenchimento de nosso cadastro no hotel, passou uma hora e nada de trazer os passaportes de volta, pressionei Samuel, que me disse que o atendente havia saído para um lanche e havia trancado os passaportes dentro da gaveta, que logo nos entregaria quando voltasse... Achava tudo aquilo meio estranho, fui até o quarto das meninas e as deixei apavoradas, disse que ele ia acabar levando nossos passaportes, que tudo não passava de um golpe e íamos acordar sem o baço, ou algo parecido. Desesperadas desceram até a recepção e depois de cinco minutos voltaram com os passaportes, dizendo que eu era louco, que as ficava amedrontando, que Samuka era o cara! Disse: “Então tá, desculpa aee!”
À noite saímos para conhecer a vida noturna de Santa Cruz, Samuel nos arrumou um táxi de graça para o centro da cidade, dentro do taxi pensei: “Vamos ser sequestrados!”, mas estava errado novamente! O cônsul nos levou em um restaurante com comida típica boliviana, parrilhada, por conhecer os donos do local, conseguiu um bom preço... Em seguida nos levou à principal danceteria da cidade, o segurança olhou para um dos nossos amigos, Felipe, que estava de bermuda e chinelo e disse que não poderia entrar e logo vinha Samuka interferir nas ações, se apresentou como cônsul entrou na boate para conversar com o dono, e, em alguns minutos todos estavam liberados para entrar... O ditado popular borbulhava em minha mente: “Esmola demais o santo desconfia...” “Esmola demais o santo desconfia...”
Aquela história de viagem era muito fantástica para ser verdade: Estávamos conhecendo os melhores lugares, comendo as melhores comidas, ficando na melhor pousada e tudo praticamente de graça! Sentia como um porquinho sendo bem tratado para logo mais ser jogado no matadouro! Mas quando ousava tocar no assunto, me diziam que eu era neurótico: “Samuka é o cara!”
De madrugada voltamos para o hotel. As garotas ficavam em um quarto, os outros rapazes em outro quarto e eu sozinho num outro... Ainda desconfiado não conseguia fechar os olhos, esperava ouvir algum grito do quarto ao lado, e depois esperar por minha vez... Devia estar ficando neurótico mesmo! Foi Quando bateram na porta do meu quarto... Congelei, lembrei do matadouro, e pensei por alguns minutos se devia abrir a porta, gritar ou tentar pular pela janela! Bateram novamente na porta, decidi por abrir... Era o Samuka... Respirei fundo e disse: “Pois Não?” “Vim desejar uma boa noite!” “Obrigado.” “Ah, também queria dizer que gostei de você! Você é um cara muito inteligente... Até mais!” “Até.” se foi, depois da visita e daquela conversa estranha, fui vencido pelo cansaço e adormeci...
Amanheceu em Santa Cruz e ao encontrar com a galera, falei sobre a visita noturna de nosso amigo e descobri que todos receberam a tal ‘visitinha’, só que para cada um deles Samuel pediu algo emprestado: “Filmadoras, máquinas fotográficas, dinheiro...” como também levou todos os celulares para trocar o chip, disse que arrumaria um chip e que todos poderiam ligar de toda Bolívia de graça e que a tarde estaria de volta... “E vocês emprestaram?” “Claro!” “Vocês estão loucos!” “Você que está louco, que homem desconfiado!”. Fomos para o centro da cidade, conhecer um pouco mais de Santa Cruz, no retorno após arrumar minha mochila, faltava uma hora para partir, decidi por perguntar para a recepcionista o telefone do Samuka, queria agradecer por tudo, talvez me desculpar pelas desconfianças: “A senhora poderia arrumar o telefone do Samuel?” “Não temos!” “Mas ele não é filho do dono do hotel!” “Não, senhor!” nesse momento congelei: “Mas ele disse que esse hotel era do pai dele e que nossa estadia em Santa Cruz era uma cortesia!” “Não, Samuel nos disse que trouxe um grupo brasileiro e não tem nada pago até agora!” subimos todos até o quarto que ele se hospedava, a recepcionista abriu a porta, e, nada! O quarto estava vazio, nenhum rastro de Samuel, as garotas começaram a chorar, os rapazes tensos andavam de um lado para o outro no corredor do terraço, haviam sido roubados, seus aparelhos eletrônicos de alta quantia tinham sido levados! A diária daquele hotel era absurdamente caro! Já estava com a mochila nas costas, em quarenta minutos meu ônibus sairia e não estava disposto a pagar aquela diária... Foi quando tomei uma decisão, rápida, insensata, insana!
Senti por não consolar as garotas naquele momento de tensão, mas tinha que agir rapidamente, a recepcionista já havia acionado a policia local, quando decidi sair correndo do hotel, não me despedi de ninguém, apenas fugi! Não iria pagar nada! Corria como louco pelas ruas de Santa Cruz de La Sierra, escutei a recepcionista gritando da porta, corria sem olhar para trás, sem parar, corri até o terminal Bimodal o mais rápido que podia... Sentei exausto em um dos bancos, tinha que pensar rápido, logo colocariam a polícia atrás de mim, então fui até o banheiro troquei de roupa, coloquei um boné... A polícia estava à procura de um mochileiro que viajava sozinho, então rapidamente fiz amizade com um português, faltavam 15 minutos para o ônibus sair, e, aqueles minutos pareciam uma eternidade... Olhava para os lados em busca dos policiais, transpirava, até que entrei no ônibus e pensava agitado: “sai, sai, sai!” dentro de ônibus me juntei com um grupo de brasileiros no fundo do coletivo... O ônibus partiu... Que alívio foi deixar Santa Cruz, a adrenalina corria pelas veias, nunca tinha sentindo uma emoção tão intensa, não sei o porquê, mas me sentia feliz em ter passado por aquela experiência e ter saído ileso... Fiquei pensando na visita de Samuel, e no que aconteceria naquele hotel se nada fosse descoberto... Depois enviei um e-mail para as garotas se desculpando, e elas confirmaram minhas suspeitas: a polícia foi atrás de mim, mas não me encontrou... Que eles tiveram que pagar as diárias e que realmente foram roubados e que a principio achara que eu pertencia à quadrilha por não ter sido roubado e por ter fugido...
Esse relato serve de lição aos mais afortunados que queiram visitar a Bolívia, que nem tudo são maravilhas, que devemos ficar sempre atentos, afinal: “Esmola demais o santo desconfia...”
Marcelo Nogal

A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (CAMINHANDO PELA CIDADE)
COMO CHEGUEI: TREM DE PUERTO QUIJARO (CHEGA POR VOLTA DAS 13HS;) DO AEROPORTO DE VIRUVIRU HÁ COLETIVOS ATÉ O CENTRO SAINDO DA FRENTE DO AEROPORTO;
ONDE FIQUEI: EM UMA DAS DIVERSAS POUSADAS QUE FICAM EM FRENTE AO TERMINAL BIMODAL; 15 REAIS A DIÁRIA;
OBS. (NA MAIORIA DAS VIAGENS QUE FIZ NÃO RESERVEI HOTEL - GERALMENTE FICO NOS MAIS BARATOS, QUE NÃO TEM NOME, NEM SITE NA INTERNET)
O QUE COMI: COMI UMA PARRILHADA NUM RESTAURANTE NA RUA DO TERMINAL BIMODAL; 40 BOLIVIANOS;
COMO ME LOCOMOVI: FUI ATÉ O CENTRO A PÉ (40 MIN) HÁ COLETIVOS SAINDO DO TERMINAL BIMODAL;
PRA ONDE FUI: PEGUEI ÔNIBUS PRA LA PAZ, SAI ÀS 16HS CHEGA ÀS 10HS DO OUTRO DIA;