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Relato Coroico

DE BIKE NA RUTA DE LA MUERTE – TODA TRAGÉDIA TEM SEU LADO CÔMICO!

 

Estávamos em La Paz, noite chuvosa e fria, em que aguardávamos ansiosos para tentar realizar a grande façanha de nossas vidas: Descer de bicicleta a “Ruta de La Muerte”... Estou falando da Carreteira 3 que liga La Paz à Trinidad, no estado de Beni, com seus seiscentos e tantos  quilômetros de estrada, que ficaram famosos devido a grande quantidade de acidentes de veículos e mortes fatais no trecho entre La Cumbre e Coroico!

 

A composição química desta jornada é perfeita para um roteiro trágico num filme de terror: péssimos motoristas, carros velhos sem manutenção, pista molhada, neblinas, deslizamento de terra, estrada extremamente sinuosa e alta velocidade... Tudo colaborou para que ganhasse fama mundial, passou a ser chamada de “The Death Road”! Vários documentários sobre a estrada macabra foram produzidos, várias cenas chocantes no youtube podem ser vistas, e, por tantas e outras cositas que a Carreteira 3 é considerada simplesmente: A mais perigosa da América Latina! É só por este simples motivo que estávamos ansiosos naquela noite chuvosa, por coisa pouca é claro, apenas uma voltinha de bike pela Bolívia nos aguardava do dia seguinte!

 

Pela manhã fomos à procura de um local convincente, que pudesse oferecer um bom serviço para a descida, afinal íamos cruzar um trecho da ‘Death Road’, são vários os preços e serviços oferecidos pela cidade... Muitas agências e hotéis oferecem o serviço, mas acaba saindo um pouco caro, devido às comissões. Fomos direto a uma das agências principais, especializada no evento: “El Solario Turism”... Dentro do pacotão de serviços, você pode escolher entre os três tipos de Bike: Iron Horse Full Suspentión (440 bolivianos), Iron Horse Hardtail Yakuza (380 Bolivianos) e Iron Horse Maverick (340 bolivianos). Para cometer o suicídio achamos o nome Yakuza mais sugestivo... Escolhemos a amarelinha... Nesta agência se tem a vantagem de tocar na bicicleta, sentir o monstro que será nosso companheiro de descida nas montanhas. Dentro do pacote estava incluído: Café da manhã na agência, lanchinho no meio do caminho, almoço no fim da descida, uma camiseta e um CD com as fotos e filmagem da pedalada; guias para auxílio, e, todos os equipamentos necessários para a aventura: Capacete, luvas, cotoveleiras, joelheiras, calça e camisa térmicas (Tem pra todos os tamanhos: gordos, magros, cabeçudos). A atendente da agência nos aconselhou a levar protetor solar, repelente, toalha e sabonete, um tênis e roupas a mais, pois durante a descida acabávamos nos molhando. Tínhamos que estar às 7hs da manhã na agência para o café, e o retorno estaria previsto para às 20hs.

 

À noite foi longa, e a chuva não deu trégua, tensos do dia seguinte fomos nos reunir na agência com os demais gringos para a aventura, cerca de umas vinte pessoas, o café foi farto, do tipo: morram de barriga cheia pelo menos. Depois do café tivemos que assinar um termo de responsabilidade, do tipo: A agência não se responsabiliza por sua insanidade de querer descer a rota da morte, assuma os ricos... Na sequência o guia começou a entregar o capacete e as vestimentas da aventura, era quando batia a angustia, o coração acelerava, suava frio, os minutos se tornaram modorrentos, quase nenhum dos turistas falava, alguns sorriam pra disfarçar a tensão, um silêncio sufocante, queria logo subir na bicicleta e soltar toda a adrenalina acumulada, gritar, mas não, estávamos na eternidade do tic-tac... Tínhamos que aguardar as Minivans chegarem!  Essa tensão durou por longos sessenta minutos... Quando vi a magrela amarelona encima do carro e aquela chuva em La Paz me deu um frio no estômago, um medo... Com aquele uniforme de ciclista maluco subi na Minivan, o trajeto não foi dos mais agradáveis, ao som do have metal boliviano “Alcoholika I am Bolívia” subíamos o morro, a capital da Bolívia não acabava nunca, oh ansiedade! Subíamos, subíamos, subíamos, passamos por uma hidrelétrica e a paisagem finalmente começou a mudar, tudo branco ao redor: montanhas, nuvens! Ora geava, ora chovia, os gringos tiravam fotos da paisagem, que era fascinante, estávamos a mais de cinco mil metros de altitude, até que chegamos num posto policial, ali ficamos cerca de meia hora, só pra aumentar a ansiedade, devia ter trazido o chocolate!

 

Queria descer e seguir de bike, gritar, mas não, ainda tínhamos que cruzar as montanhas, descer La Cumbre até os 4700 e ai sim começar o Down Hill. Quando vi a descida sinuosa e as montanhas nevadas dos Andes, perdi todo medo existente, queria descer logo, pedalar e curtir o local... Cada empresa tem seu ponto estratégico para parar o coletivo, nós paramos um pouco mais pra baixo, a 4500 metros, recebemos os informes e regras para pedalar nas montanhas para diminuir os riscos de acidente. Lá onde o ar é rarefeito fazia muito frio e foi lá que finalmente pude testar minha bike: o freio traseiro não funcionava, que maravilha! O guia me ajudou a regulá-lo! Cotoveleiras e joelheiras colocadas, tudo pronto pra começar a descida.

 

 Nessa jornada não é necessário ter um excelente condicionamento físico, são 63 km de descida constante, mas é importante ter atenção máxima, nem pensar em piscar, olhar a paisagem, ou imaginar a sogra rindo em seu velório, aqui o que manda é a habilidade, equilíbrio, e o mais importante de tudo: a atenção e muita “Suerte” e se caso você arregar, a Minivan está sempre acompanhando os ciclistas durante o Down Hill pra resgatar o corpo, não se preocupe que eles enviarão os pedacinhos que sobrar de você para os entes queridos (Sogra)... Então estava preparado para iniciar a pedalada pela estrada da morte boliviana!

 

Nos primeiros quilômetros a la Ruta de la muerte é de asfalto, a adrenalina corre nas veias, a velocidade vária entre os 40 a 60 kms por hora, o vento cortante é de trincar, as mãos chegam a doer mesmo com as luvas, e dói muito mesmo devido as baixas temperaturas! A cada curva fechada, a adrenalina vai às alturas e pra trás fica o cheiro de freio queimado e quando da pra fugir o olhar do foco, a paisagem se torna deslumbrante, as montanhas nevadas são monstros esculpidos pela natureza... Os carros passam do lado buzinando sem parar, nada de se apavorar, é neste primeiro momento que vamos conhecendo a magrela e se acostumando com ela, quando a chuva cai não enxergamos quase nada, o respingo que vem da roda dianteira do ciclista da frente cai direto nos olhos, pra dificultar a aventura é claro, mas nada mais importa, agora o jeito é prosseguir! Encima da bike, tudo passa mais rápido: a estrada, o pensamento, as horas, os kms... Rapidamente chegamos a Unduavi, nem parece que pedalamos cerca de duas horas, momento para descansar um pouco. Recebemos água, coca cola, banana, barras de chocolate e lanchinhos com patê de atum. Respirei fundo, um pouco aliviado de ter realizado a primeira etapa da aventura, temos que pagar em outro posto policial uma taxa de 25 bolivianos...

 

Todos sobem novamente na Minivan, são oito quilômetros de subida em meio a uma neblina constante, até entrarmos na antiga estrada da morte, esta, de terra e pedra, poucos carros e uma ribanceira enorme do lado esquerdo pra fazer o mais dos valentões cagar nas calças!

 

De volta sobre as duas rodas, voltamos a descer, a dificuldade aumenta, todas as forças do seu corpo vão para os braços devido à constante trepidação ocasionada pela estrada irregular, nas curvas tem que se tomar mais cuidado para não derrapar e ir parar no fundo do abismo, as pedras soltas são o maior perigo para se perder o controle da bike e acontecer um acidente inoportuno, então com atenção redobrada seguimos o Down Hill, a paisagem muda drasticamente, agora montanhas verdes, cachoeiras que cortam a trilha, alguns dos gringos vão escorregando e se ralando pelo caminho, as bikes não vão resistindo e abrem o bico no meio do percurso, a minha já estava quase sem freio, atravessamos dois rios durante o percurso, era no embalo que os cruzávamos, o clima foi mudando, para úmido e caliente, e, nem eu escapei de uma queda, uma pedra travou minha correia, quando estava em alta velocidade, só tive uma saída para não me estourar, saltei da bike, quando perdi o controle e a roda traseira travou... Aiiiiii!

 

Pra descer a Death Road também é preciso ter um pouco de sorte, não sofri nenhum arranhão, levantei rapidamente, e segui, pois a uma máxima no esporte: Cair e levantar faz parte da arte de pedalar! Ainda mais pra quem aprendeu a pedalar a cerca de um ano, mas essa é outra história... Nos últimos quilômetros, agora sem pedra, com terra batida, a estrada se tornou mais plana, senti um alívio, aqui tinha mais controle da amarela, foi o momento que mais me diverti durante o Down Hill, já batia aquela sensação de dever comprido, cada ciclista fazia o percurso no seu ritmo, agora eu seguia num ritmo de satisfação, atravessava por dentro de cachoeiras que caiam literalmente dos céus, estávamos chegando aos 1700 metros de altitude, os moradores do pequeno vilarejo de Coroico nos aguardava, foi uma saudação e tanto: Água na cara! Eu estava feliz, muito feliz por poder ter chegado até ali, sem freio traseiro e quase nada no dianteiro, com os músculos da mão direita estourados e com uma gigantesca vontade de fazer tudo de novo! Chegando a Coroico, descobri o porquê do repelente: “Pernilongos malditos parem de me picar!”

 

Depois dessa aventura, fiz outra descoberta incredible: que é mais perigoso andar de bicicleta em São Paulo do que na Death Road... Elementar, meu caro forasteiro tupiniquim errante!

Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO 

 

QUANTO TEMPO FIQUEI: 1 DIA (DESCENDO DE BIKE);

 

COMO CHEGUEI: FIZ UM PACOTE EM UMA DAS AGENCIAS DE TURISMO EM LAPAZ;

 

ONDE FIQUEI: FIQUEI HOSPEDADO EM LA PAZ;

 

O QUE COMI: A REFEIÇÃO ESTAVA INCLUÍDA NO PACOTE;

 

COMO ME LOCOMOVI: UM MICRO ÔNIBUS NOS LEVA ATÉ A CUME DA MONTANHA E DEPOIS NOS PEGA EM COROIRO E LEVA ATÉ LA PAZ;

 

PRA ONDE FUI: CONTINUEI EM LAPAZ;

 

DICAS: NÃO ESQUEÇA O REPELENTE, LÁ EMBAIXO EM COROICO O BICHO PEGA; 

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