Relato Jaisalmer
RESUMO RAJASTÃO
Tudo por aqui e dourado, o forte com seus palacetes encantam, parece que a cada cidade que visitamos, uma nova civilização se desvela, agora os Rajputs... No centro do Forte Dourado temos a oportunidade de visitar o primeiro templo jainista, e que beleza as suas estruturas, tocamos o sino ao entrar, andamos descalços e vimos imagens de um ser iluminado, alguém que não é Buda.
Sikhs cantão suas orações, o teto e as colunas são ricamente decoradas, do lado de fora, tudo está limpo, não há buzinas, mas muitas vacas, mas isso nem passa perto do melhor do Rajastão: a viagem pelo deserto parece mesmo ter sido inesquecível: Dois nômades... berberes talvez, nos guiavam pelo deserto. Murad, o lorde de Thar, nos indicava o caminho. Nos tornamos parte disso, bebiamos chai e comíamos chapati no deserto, produzido ali na nossa frente em uma fogueira improvisada.
Guiava o camelo, que já fazia parte de mim, seu cheiro, as moscas no ouvido, puxando as cordas para direita, ou esquerda, direcionando a caravana pelo deserto até as dunas e a noite... Ah, que noite! Sobre um lençol fino e várias cobertas para acalentar o frio noturno, nos deslumbrávamos com a constelação, até uma estrela cadente conseguimos ver no céu do Rajastão. Murad cantava sobre a lareira enquanto comíamos uma porção de pakora fazia do deserto a mil e uma noites dos sonhos, das experiências, de ser um desbravador imponente tão forte quanto os berberes, para continuar nossa expedição rumo a Bikaner...
A CIDADE DOURADA E BUMALÊ
Ao abrir os olhos já estava na estação de Jaisalmer, ainda era madrugada, aqui na Índia só começa a clarear depois das nove horas, pegamos um tuc-tuc até o centro, a antiga cidade dourada fica cercada por muralhas medievais, o motorista disse não poder atravessar a porta da muralha, descemos do tuc-tuc na escuridão e fomos procurar o hostel que tínhamos reservado pela internet, tarefa complicada àquela hora, vielas vazias, tudo muito parecido, até que finalmente encontramos, e, acordamos o dono do hostel, consultou os agendamentos, olhou no relógio e disse que o quarto só estaria livre depois das dez, pensei: “O que faremos agora?” perguntei se podíamos esperar, ele disse que tudo bem...
Seriam longas quatro horas no saguão do hostel... Sua cama ficava no saguão, a ofereceu para descansarmos, as garotas desmaiaram, fiquei observando o movimento: o dono limpar a frente do hostel, vários símbolos jainistas, vários quadros de familiares espalhados pelo saguão, todos continham um colar de flores, que simbolizavam que as pessoas do retrato já haviam morrido, depois ele foi preparar um chá, forte e amargo, conversamos sobre as tensões entre Índia e Paquistão, após o ataque em Mumbai. Ele não foi nada animador, disse da possibilidade de novos ataques na cidade dourada, por estar a menos de 100 km da fronteira com o Paquistão.
Depois de duas horas, decidi acordar as meninas para tomarmos o café, deixamos as malas e saímos pela cidade, e com o clarear do dia, descobrimos todo o esplendor da cidade de Jaisalmer, as construções Jainistas, as paredes douradas construídas com o típico solo do deserto de Thar, à medida que a cidade ia acordando, ela ia ficando mais bonita, vendedores penduravam as roupas coloridas típicas da região, usada antigamente pelo povo berbere do deserto, imensos tapetes feitos de forma artesanal foram estendidos na praça principal, do lado de um grande templo Jainista e do restaurante July. Foi lá que decidimos tomar café... Dessa vez me dei mal, o lanche foi a única coisa que não tive estômago para comer, no recheio: queijo misturado com ervas locais, a cada mordida sentia uma terrível ânsia... Sinto muito! Pedi o famoso omelete com butter toast para sanar a fome.
Voltamos ao hostel, que fazia parte da construção medieval da cidade tombada pela Unesco... Só foi o tempo de deixarmos as malas e sairmos novamente para apreciar a cidade... Reservamos em uma agência o passeio de camelo pelo deserto de Thar que seria realizado em dois dias com uma noite no deserto. Andamos pelas muralhas, Miguelito pousava para as fotos nas grandes cuias, lojas vendiam chapeis de couro igualzinho ao do Indiana Jones, almoçamos em um restaurante tibetano e tivemos o privilegio de experimentar o momo de carneiro, pra variar as meninas pediram sopa... O momo é simplesmente delicioso, dessa vez acertei!
Pegamos um tuc-tuc para irmos até o Oasis de Sarinagar, mais um vacilo, gastamos dinheiro a toa, ficava muito próximo do centro, o lugar é lindo, local onde rendeu maravilhosas fotos, ficamos a tarde apreciando a paisagem nas ghats, aqui os recém-casados vêm tirar fotos.
Danu era um Indiano que levava as pessoas para passear com seu camelo em torno do lago, disse que seu animal tinha o nome de um cantor famoso norte americano “Bumalê”, dizia que nunca tinha ouvido falar sobre esse cantor famoso, Danu não se conformava, como que eu não podia conhecer Bumalê! Para acabar com aquela discussão pedi que cantasse uma música, pois se fosse tão famoso assim, eu deveria conhecer... Cantou: “No, woman no cry...” Esses indianos são mesmo engraçadinhos... Bumalê
DIAS DE SALADINO
Acordamos bem cedo e fomos até o hostel indicado conforme o acordo no dia anterior, tomamos o café no terraço com vista para a cidade, ventava muito, o frio era de doer, rapidamente comemos o omelete e saímos dali rumo ao jipe que nos levaria até o encontro com os berberes e seus camelos, paramos em uma feira no lado de fora das muralhas, o agente que contratamos que também era motorista, foi comprar a que iríamos comer no deserto, trouxe um galão de água também para os dois dias.
Saímos da cidade seguindo por uma estreita estrada de asfalto, algumas vezes ultrapassávamos tanques de guerras indiano, com um pouco de medo lembrei da conversa com o dono do hostel no dia anterior, estávamos seguindo rumo a fronteira, as dunas de Thar ficam cerca de 50 km da fronteira com o Paquistão, era lá que iríamos passar a noite, o jipe cruzava o deserto, grandes torres eólicas circundavam a região, até que bruscamente o jipe saiu da estrada e entrou no deserto, lá estava três camelos e dois berberes a nossa espera, olhei para os lados tentando procurar outros turistas, mas não havia ninguém, só nós no meio do deserto de Thar.
O agente prometeu nos buscar naquele mesmo local no final da viagem, senti um frio na barriga, agora com mais medo dos berberes do que dos paquistaneses, muitas coisas passavam pela minha cabeça, fui o primeiro a subir no camelo, e logo descobri que sem a ajuda dos berberes, seria impossível descer dali, depois foi a vez das garotas subirem nos camelos.
O berbere que falava inglês, daquele jeito “poor”, era Murab e o outro Gurad, seguiam caminhando, eu tomei o controle do grupo de camelos, todos seguiam meus comandos, as cordas eram presas nas narinas dos camelos, para movê-los para o lado desejado, bastava puxar a corda do lado desejado, para fazer pará-lo, bastava puxar as duas cordas com força para cima, outros comandos eram dados através de sons emitidos pelos berberes, preocupado seguia em frente olhando as garotas que ficavam pra trás...
A travessia era uma aventura, o calor castigava, ao trotar o camelo transpirava, seu fedor impregnava no ar e na minha roupa, o que atraia muitas moscas, daí entendi o motivo daqueles bonés para o deserto terem um protetor de ouvidos, com uma mão espantava as moscas, com a outra segurava na corda, tinha momentos que o camelo coçava sua enorme cabeça em minhas mãos, sua enorme corcova tornava a viagem sofrível para quem não tinha um bom condicionamento. As pernas nas proximidades da virilha doíam e não tinha como mexê-las, por vezes ficava dormente.
O mais interessante eram as patas dos camelos, que tinham um amortecedor natural, que aliviava o impacto de seu trote. No meio do deserto de Thar atravessávamos terrenos cobertos com vegetação espinhosa e minha perna, mesmo usando calças, não escapou de arranhões, havia momentos que o camelo empacava, não andava de jeito nenhum, já em outro momento ele conseguiu sentir o cheiro de uma fêmea a mais de cinco quilômetros de distância, começou a ungir, babar e sai correndo feito louco, não conseguia fazê-lo parar, um dos berberes nos salvou de um infortúnio pior, com seus grunhidos e correndo alcançou a corda que eu segurava afoito e parou o camelo tarado.
Paramos no meio do deserto para o almoço, ao descermos do camelo a dor nas pernas era tamanha que não conseguíamos andar normalmente, os berberes foram preparar nosso almoço, um acendia a fogueira, o outro descascava o alho, depois um fazia o chapati, outro preparava o chai, ia tomar pela primeira vez o famoso chai, no meio do deserto feito por um berbere. E não é que era gostoso, depois nos foi servido uma espécie de salgadinho chamado bogles, para encerrar o almoço: arroz, macarrão, ervilhas e chapati...
Os berberes comiam com a mão e fediam tanto quanto os camelos, nessa altura eu não sentia mais medo, pelo contrário vivia uma grande experiência no deserto, a ideia de sermos só nós, sem mais nenhum turista ao redor agora era fantástica, descansamos um pouco, mas logo tínhamos que subir novamente no camelo, as pernas ressentiam: “De novo não!”
Com um som distinto produzido pelos berberes, o camelo dava uma arrancada e corria em alta velocidade até cansar, era o momento da adrenalina, a cada momento que escutava o berbere emitir o som, segurava forte na corda e o coração batia mais forte, apoiava minhas pernas com firmeza na corcova, levantava meu corpo, para que o cóccix não batesse na corcova do camelo para não me machucar naquele trote frenético! Abaixava minha cabeça a deixando bem próxima a do camelo, por vezes fazíamos curvas em alta velocidade, nesse momento incorporei a essência de um cavaleiro nômade, como Saladino em uma guerra no deserto, o vento batia forte no rosto, a poeira do deserto levantava e ficava pra trás, a linda paisagem passava rápida, nesse momento sentia que eu o camelo éramos um único ser em plena sintonia com o deserto, em harmonia fazíamos parte de Thar, foi quando comecei a entender a antiga relação homem e camelo, nesses locais extremos, paramos em um açude, desci do camelo e como um berbere o levei para tomar água, uma breve pausa, surgiam no deserto algumas crianças que viviam em vilarejos ao redor, curiosas com a nossa presença, sempre nos pedia xampu.
Seguimos até as dunas, as garotas choravam de dor nas pernas, ao chegar, presenciamos algo único, o pôr do sol em Thar, a cor do deserto ia mudando, se tornando alaranjado, caminhávamos pelas infinitas dunas, tudo era lindo e ao escurecer, Murad acendeu uma fogueira preparou o jantar, enquanto Gurab dava ração aos camelos, nos foi servido pakora: um bolinho de carne de carneiro extremamente apimentado, e durante a ceia, Murab cantava músicas da região, que por sinal cantava muito bem, era de arrepiar...
Estenderão um pano sobre o chão e depois foi colocada dez cobertas, para nos aquecer do frio do deserto, nunca tinha visto um céu tão estrelado, a noite no deserto o silêncio era absurdo, estrelas cadentes cortavam o céu de Thar, exaustos dormimos.
No outro dia fizemos todo o caminho de volta e ao chegar à cidade para comemorar, fomos novamente até o restaurante tibetano, e, do mirante onde tínhamos uma deslumbrante visão da cidade tomamos pela primeira vez uma cerveja tipicamente indiana (algo que é proibido por lá) e muitas porções de momo, afinal merecíamos...A cerveja Kingfisher naquele calor, depois de tudo aliviava a alma...
Já voltando pro hotel para pegarmos as malas, ocorreu um apagão elétrico na cidade, o dono do hotel logo disse: “Os paquistaneses!” gostava de seu otimismo... Como era precavido, rapidamente peguei minha lanterna, para enxergar o caminho, naquele momento a cidade estava um caos, fomos até a praça pegar um tuc-tuc até a estação ferroviária no meio da escuridão... Assim foi nossa despedida dessa encantadora cidade: A fuga de Saladino na escuridão.
Marcelo Nogalarcelo Nogal






Viaje por Jaisalmer
através das fotos >
A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS (PASSEIO DE CAMELO PELO DESERTO E CAMINHANDO PELA CIDADE DOURADA);
COMO CHEGUEI: TREM NOTURNO DE JODHPUR - RAILWAIS - ;
ONDE FIQUEI: HOTEL SURAJ - ;
O QUE COMI: COMIDA INDIANA;
COMO ME LOCOMOVI: A PÉ E DE TUCTUC PELA CIDADE;
PRA ONDE FUI: PEGUEI TREM NOTURNO PARA BIKANER;
