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Relato Bodhgaya

RESUMÃO GAYA

 

Parece que estamos fora da Índia, quase tudo é uma calmaria, milhares de monges com sua vestimenta cor de açafrão caminhando de um lado para outro, alguns veem amontoados em um Rickshaw, alguns aparecem com a camisa do Free Tibete e quando entramos no complexo onde Sidarta Gautama encontrou a iluminação, avistamos centenas de bandeiras coloridas penduradas em um lago, em que no seu centro está uma enorme estátua de Buda sobre uma naja, vários devotos circundam o imenso templo erguido ao lado da árvore onde supostamente Buda alcançou o nirvana orando.

 

Em campos floridos circundados por flores alaranjadas centenas de monges meditam orações contidas no dharma, buscando a sua própria iluminação, em vários potinhos águas cristalinas tremulam, do outro lado em uma sala, várias velas acesas dão um tom mágico ao local, na frente uma grande chaleira dourada exala o incenso pelo complexo, uma branda garoa paira pela região, e, centenas de monges ainda crianças com os pés enlameados tentam entrar no complexo, saindo do santuário budista, me deparo com vários monastérios, cada qual de uma nação, o que mais me encanta é o Tailandês, com seus detalhes coloridos e no seu interior um imenso Buda dourado sobre um fundo azul anil. Tirando os sares femininos na índia é muito difícil ver cores por aqui...

 

O Monastério Japonês é o mais humilde, o do Tibete tem uma imensa pagoda dourada em sua fronte, o de Bangladesh tem uma estátua de pedra de Buda sobre a lótus que fica do lado de fora do monastério... Assim vou procurando em cada cantinho de Bodhgaya, um templo na calmaria do mundo e um monge com cor de açafrão...

 

TUDO AÇAFRÃO

 

Na madrugada fria da Índia o trem parou em uma estação, com muita preguiça abri um olho e tentei olhar pela janela, descobrir onde estávamos, levei um susto! Já havíamos chegado a Gaya! Gritei às meninas: “Chegamos! Chegamos! Se arrumem rápido!” Acho que foi como acordar em um pesadelo, afoitamente começamos a colocar as botas, empurrei algumas pessoas que dormiam no chão para puxar nossas bagagens que ficavam debaixo da cama, tudo tinha que ser muito rápido, pois o trem ficava menos de cinco minutos em cada estação, fomos passando pelos corredores cheios de gente, empurrando os parias que ficavam pelo caminho, muitas vezes sem escolha tínhamos que andar sobre eles, ao chegar na porta foi muito difícil abri-la, pela quantidade de gente no chão, com muito sacrifício consegui abrir a porta e descer com o trem andando...

 

Ufa! Que alívio, quase não conseguimos desembarcar... Ao sair da estação negociamos mais uma vez com o motorista do tuc-tuc para nos levar até a cidade de Bodhgaya que fica uns 100 km ao sul, negociamos por 200 Rupias. Percorrendo as ruas na escuridão dava um pouco de medo, não tínhamos noção de onde ele estava nos levando, o trajeto todo levou cerca de uma hora, nos deixou em uma guest house interessante, a cidade de Bodhgaya é pequena, dava pra andar a pé tranquilamente, mas ao amanhecer resolvemos fazer o passeio em um rickshaw... Uma espécie de tuc-tuc medieval em que o motorista puxa a charrete com suas próprias forças... Foi no mínimo estranho...

 

Antes de conhecer as belezas da cidade pensávamos em resolver uma questão importante: Qual o próximo destino a seguir? O trecho ‘Gaya – Calcutá’ não havia sido reservado pela internet do Brasil, tentávamos reservar aqui pela Índia de uma lan house, mas estava tudo esgotado para os próximos dias e ficar mais de dois dias em Bodhgaya seria uma perca de tempo... Agora era hora de bolar uma nova estratégia, mudar a rota, depois de estudar os mapas, decidimos deixar a cidade de Calcutá e Bangladesh para uma próxima trip, nos concentramos em ir direto para Darjeeling, procuramos as alternativas... A única possível seria um trem que saia de Patna e seguia direto a Siliguri... Reservamos para a única data disponível e só havia reservas na primeira classe... Patna fica a 150 km ao norte de Gaya... Agora a próxima etapa era reservar o ônibus para nos levar a Patna, havia apenas um ônibus que saia de Bodhgaya diariamente... Fomos reservar. Aqui não há um terminal, o ônibus sai de um hotel cinco estrelas, mas para a data estava tudo lotado, nos disseram que de Gaya encontraríamos melhores opções...

 

 Então como as garotas estavam cansadas, clamando por cama, decidi ir para Gaya resolver esta questão o quanto antes melhor, as deixei na Guest House e segui novamente rumo a Gaya, diríamos que aquilo foi uma perca de tempo e de dinheiro, mas faz parte... Desta vez pude observar o caminho sobre a luz do dia, e, que diferença: a paisagem era uma grande floresta controlada pelo exercito indiano, atravessamos vilarejos até chegar novamente em Gaya, acertei com o motorista do tuc-tuc ida e volta por 400 rupias, o motorista só falava o dialeto local, então chamou um garoto que falava inglês para nos acompanhar até Gaya e fazer a negociação do ônibus para Patna...

 

Adentrando a cidade, próximo à estação o motorista entrou em um terreno baldio, que parecia mais um deposito de lixo, ali no meio do entulho ficava três ônibus brancos bem velhos, pra ser sincero, caindo aos pedaços, o garoto desceu do tuc-tuc e foi negociar com o agente do motorista do ônibus, conversavam em seu dialeto e olhavam pra mim, até que o menino veio com os valores e que teria ônibus no dia desejado, aliviado comprei as três passagens e pude voltar para curtir Bodhgaya, eles se ofereceram para nos levar depois de amanhã novamente a Gaya, viriam nos buscar no hotel, concordei...

 

Ao chegar à Bodhgaya ainda deu tempo para almoçar em um restaurante que ficava ao lado do Complexo de Bodhgaya, chamado ‘Shiva’ pra variar... Que parecia ser o único limpinho da cidade, pelo menos foi lá que encontrei barras de chocolate por bons preços... Nossa, me acabei nos chocolates...

 

Na praça em frente ao complexo era onde tudo acontecia, o comércio, a feira de rua, pessoas fazendo malabarismo, cuspindo fogo, pedindo esmola ou oferecendo alguma coisa...

 

Pelas cercanias do complexo foram construídos dezenas de templos, cada qual seguindo as vertentes budistas de seu país de origem, assim temos uma fascinante arquitetura multicultural para observar: visitamos templos tibetanos, vietnamitas, butanês, japonês, nepalês, tailandês, cambojano, laosiano, com imagens, símbolos, cores e fachadas típicas de cada nação...

 

No dia seguinte tomamos café em um restaurante nada agradável, geralmente no final do serviço o garçom serve junto com a conta cristais de açúcar ou uma erva que não sei o nome, para adocicar a vida, mas agora é hora de conhecer o local onde Buda encontrou a iluminação, que fica debaixo da grande árvore...

 

Nunca tinha visto tantos monges juntos, centenas desciam dos ônibus que chegavam sem parar, eles não precisavam pagar para entrar no complexo, já nós mochileiros... Chamo de ‘complexo’, porque para escrever no relato o nome: Mahabodhi Mahavihara é difícil!

 

Visitar o complexo foi uma experiência encantadora, consegui realmente compreender a filosofia budista: a paz, a harmonia com a natureza e todo o colorido do local convidam a meditação budista, não consigo imaginar essa conjuminação em Sampa...

 

Construíram um santuário lindíssimo do lado da árvore sagrada, ao redor centenas de monges sentados no chão oravam, outros meditavam em um espaço com centenas de colchões coloridos, meditação que lembrava os exercícios físicos no tempo de escola: as flexões.

 

Águas eram colocadas em pequenos frascos para purificar o local, algumas continham flores douradas, pequenas velinhas coloridas eram acesas, umas dezenas de pequenas Stupas enfeitavam o local, algumas também vinham cobertas de flores, tudo parecia ser muito colorido, a morte (ou vida após morte) era revestida com outro tom, todo sítio arqueológico estava em uma zona circular, em que os monges ficam circulando ao redor do santuário, na verdade os budistas gostam de circular ao redor de tudo, ou carregam alguma relíquia que girava, e como no giro da vida a intenção é evoluir, ia circulando também, carregado pela multidão e esse giro era realizado em vários níveis pelo complexo, o que chamaria de ‘degraus da evolução humana’, cada degrau que subimos estávamos mais próximo de Buda e a consequentemente da iluminação.

 

Orações se espalhavam pelo local, algumas em inglês pediam que seus maridos parassem de beber, havia orações de todos os tipos e em diversas línguas, do lado um grande dique com uma estátua de Buda sobre uma cobra era envolvido por várias bandeirinhas coloridas, que penduradas davam um requinte ao local. O imenso templo Mahabodi ficava no centro do complexo e do lado a árvore histórica, debaixo dela alguns iogas meditavam, o silêncio no local era absoluto, entres flores coloridas atravessei o corredor e fui até a árvore observar os fiéis, que iam passando meditando tocando em várias estátuas de buda, eles chegavam em fila, oravam do lado da árvore, alguns chegavam a beijá-la, abraçar as grades que a protegiam, depois uma imagem dourada de Sidarta no templo era o final da rota dos fiéis, uma última oração e a despedida.

 

Foi um espetáculo interessante naquele sitio arqueológico, todos buscavam estar mais próximos da iluminação ou de algum lugar para descansar... Foi interessante fugir do mundo real e entrar naquela mandala colorida...

 

A CAMINHO DE PATNA

 

Bem cedinho estavam na recepção: o motorista e o garoto a nossa espera, conforme o combinado seguimos novamente a Gaya para pegar o ônibus que nos levaria até Patna, diria que senti um pouco de alívio, na verdade ninguém mais aguentava a Índia, estávamos exaustos, aquele era o vigésimo dia em terras indianas, vendo aquelas situações precárias, quarto nada confortáveis, banheiros pouco agradáveis, longas esperas em estações de trens, muita gente ao redor e as buzinas incessantes! O infernal barulhos das ruas das cidades indianas... Só a lembrança dói os tímpanos...

 

Por que do alívio? Estávamos seguindo para a região do Himalaia, onde o rosto e os costumes indianos mudam, esperávamos encontrar algo parecido com o que vimos dentro do complexo em Bodhgaya, essa era a nossa esperança, não pegaríamos mais trens, só jipe para subir as montanhas, não haveria mais tuc-tuc... Sonhava à caminho de Gaya, como também rezava para que em nossa última experiência de trem, tudo ocorresse bem, sem atrasos...

 

 Chegamos a Gaya e subimos no ônibus, os únicos gringos no local, um banco para os três se espremerem, o ônibus foi lotando e depois de lotado ainda subia mais gente, agora no teto, a viagem seria longa naquele vigésimo dia de Índia, todos os tripulantes nos olhavam curiosos, pensavam: “O que esses malucos fazem neste ônibus?”

 

Depois de algum atraso o ônibus partiu rumo a Patna, mas logo parou para o abastecimento, aproveitei para eternizar o momento, fotografando o caminhão colorido, que lá também abastecia...

 

Durante a longa viagem o ônibus passava por diversos vilarejos, onde os indianos quase em miséria viviam do campo e do gado, nesse momento estava pensando na situação governamental indiana, e tentava fazer uma comparação com a nossa realidade brasileira, e via o quanto esse povo era largado pelos seus comandados...

 

Os miseráveis daqui pareciam ser de verdade, não que os brasileiros não fossem, mas as deformidades do corpo dos transeuntes eram reais, os miseráveis pediam coisas pra comer, não queriam seu dinheiro e insistiam horas do seu lado por uma bolacha, e, se você acha que o setor público brasileiro é uma tragédia, não queira saber o indiano, a ignorância envolvida com a cultura religiosa é mais que trágica, a ideia de pensar em Shiva, o deus do caos, talvez facilitasse essa situação, as castas e todas as questões que envolvem o sexo são grandes tabus a serem quebrados, é dificílimo imaginar uma campanha para o uso de preservativos, o controle do HIV, da prostituição clandestina de nepalesas. Nos filmes Bollywoodianos o beijo de boca ainda é proibido...

 

Enquanto pensava via uma Indiana envolvida em seu sare negro, começava a mudar minha concepção de beleza feminina, fazia tempo que não via uma beldade brasileira: vestidinho curto, peitos quase a amostra, agora uma face que talvez passasse por desapercebida em terras paulistanas, aqui se tornava o centro da minha atenção, para os padrões brasileiros era uma moça normal, sem encantos... Aqui a jovem estava sentada espremida entre seus parentes e com o trepidar do ônibus ia enjoando e vomitava com frequência pela janela, bizarro, mas mais surreal ainda foi à chegada em Patna, ou melhor, a quase chegada, a bifurcação que dava acesso à cidade estava congestionada, estávamos parados no meio do nada em um imenso congestionamento, todos passageiros desceram para ver o que acontecia, centenas cercavam um guarda de trânsito que tentava explicar o ocorrido, já estávamos na estrada a mais de sete horas, e, como estávamos mortos de fome, decide descer e procurar algo para comer, mas nada encontrei que me agradasse, passava por lojinhas em que eram vendidos bogless em saquinhos...

 

Voltei com algumas frutas, foi só isso que encontrei, depois de duas horas parados o trânsito foi liberado e em meia hora chegamos ao terminal rodoviário de Patna, os motoristas de tuc-tuc ao nos ver e perceber que éramos gringos abandonaram os outros passageiros e se amontoaram ao nosso redor, dezenas de mãos nos puxavam em sentidos diferentes, mal conseguia pegar a mala que viajou arriba do ônibus, mal conseguia respirar e quando perguntava o preço até a estação, diziam valores exorbitantes como 700 rupias, dava risada e seguia andando, empurrando os motoristas que ficavam no caminho, até que um finalmente falou o valor que queria ouvir, rapidamente saímos daquela bagunça, e mais calmo comecei a conversar com o motorista, a ideia era comer algo e depois ir para a estação de trem, era cerca de cinco horas da tarde e o trem saia só depois das dez horas, lembrando da experiência em Varanasi, pedi que nos levasse a um cinema da cidade, ele nos deixou em frente de um e disse que a estação estava duas quadras a frente e apontou para uma torre indicando o local, fomos até o cinema, mas desta vez me dei mal, ele não era nada parecido com o Spice, pelo contrário, era bem sinistro e ficava no meio de um terreno baldio, deixamos o cinema para uma próxima e seguimos rumo a estação.

 

 Caminhando do outro lado da avenida avistei um restaurante, disse as meninas: “Vamos arriscar?” As garotas mortas de fome não titubearam, rapidinho atravessaram a caótica avenida, desta vez demos sorte, o restaurante era interessantíssimo, parecia que só a nata da cidade o frequentava, não sei o porquê, mas olhando o cardápio, pedi uma pizza, chega de comida indiana, ao menos hoje e não é que acertei de novo, que pizza deliciosa, talvez fosse a fome, a devoramos em segundos e era enorme! Enrolamos por algum tempo até que decidimos ir para a estação de Patna, uma das mais modernas e maiores que visitamos até então, escolhemos uma plataforma para ficar, a mais clara e limpa e lá esperamos, quando faltava cerca de uma hora para a chegada do trem, fui olhar nas placas de informe, estava com medo, que houvesse um informe de atraso, mas pela primeira vez acertei, estava com sorte...

 

O trem atrasaria por algumas horas, como já sabia que a noite seria longa, comprei umas bolachas e café, liguei meu ipode, selecionei uma das músicas Raul Seixas “maluco beleza” e voltei a plataforma onde as garotas esperavam, para dar a grande noticia! Por lá permanecemos até às quatro da manhã, foi quando escutei nos alto-falantes da estação que o trem ia parar na plataforma um, era hora de dar adeus e partir para o Himalaia...

Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO 

 

QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (VISITANDO OS TEMPLOS BUDISTAS);

 

COMO CHEGUEI: TREM NOTURNO DE VARANASI ATÉ GAYA E TUCTUC ATÉ BODHGAYA (2HS);

 

ONDE FIQUEI: PARVATI GUESTE HOUSE; 

 

O QUE COMI: COMIDA INDIANA;

 

COMO ME LOCOMOVI: A PÉ PELA CIDADE;

 

PRA ONDE FUI: ÔNIBUS PRA PATNA (10HS);

roteiro nogal india

Roteiro Expedição Índia - Nepal

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