Relato Puno
ILUSTRE VIAJANTE
Bem cedinho batiam na porta de meu quarto, havia chegado o transporte até o lago Titicaca: Um opala preto caindo aos pedaços com uns seis mochileiros lá dentro, estavam tão espremidos, que mal conseguiram falar bom dia...
Assim seguimos até o porto, fui direcionado a um barquinho que me levaria para Los Urus e depois para Ilha Taquile. Pela manhã fazia muito frio as margens do Titicaca, principalmente pelos ventos trazidos da cordilheira... Fomos apresentados ao nosso guia, Xavier, e ao nosso barqueiro, Carmelito, com seu traje típico peruano: de sandálias, gorro colorido, pele manchada e escurecida pelo sol, em que a velhice havia chegado mais cedo para nosso herói... Carmelito puxou a cordinha dando partida no motor do barco, mas algo estranho aconteceu!
O motor não pegava... Mais uma tentativa, e, nada... Os outros barquinhos iam sumindo no horizonte e nós a deriva no porto de Puno, enquanto isso Carmelito mexia num fio daqui, num fio de lá, tentava de novo e... Nada!
O guia pedia calma, mas a cara dele era de preocupação, os gringos começavam a se impacientar... Carmelito tirou a bateria, trocou por outra de outro barqueiro, mais uma tentativa e... Nada! Já passava de uma hora de tentativas mal sucedidas, até que Carmelito pediu ajuda aos universitários, quer dizer a outro barqueiro que balançava em sua rede com uma garrafa de chicha na mão. O barqueiro se levantou preguiçosamente, meio que sem vontade de ajudar, subiu no barco abriu uma portinhola e rapidamente achou o problema: Falta de combustível! Carmelito sorriu marotamente e rapidamente saiu com um galão em busca de combustível...
Esse era nosso barqueiro, me lembrei da Divina Comédia, de Caronte e de outras besteiras e como um passe de mágica, ao puxar a cordinha o motor finalmente funcionou, Carmelito rapidamente pegou no leme, uma madeira na parte detrás do barco e mansamente começamos a seguir viagem pelo Lago Titicaca, o mais alto navegável do mundo, seguíamos para as 36 ilhas flutuantes de Los Uros.
O forte vento dos Andes criava ondas constantes no lago, o que causou certa indisposição ao barqueiro... Sim, Carmelito largou o leme e com muito enjoo começou a vomitar, quem assumiu o comando da embarcação foi Xavier, o guia, diríamos que Carmelito passou grande parte da viagem, sobre o barco, nauseado...
Chegamos à uma das ilhas flutuantes, feita de totora, uma espécie de bambu andino, só que um pouco mais fino. A ilha que atracamos era incrível: as casas, os barcos, pequenas torres, tudo construído a base de totora, os moradores da ilha literalmente mudavam a ilha de lugar, quando necessitavam, também podíamos provar os peixes por eles pescados no lago, o que mais me causava estranheza era caminhar pela ilha, não tinha firmeza nos pés, que afundavam no solo fofo, ao andar sobre a totora vinha àquela sensação de estar andando sobre as nuvens...
Voltamos ao barquinho, enquanto nosso ilustre viajante, Carmelito, tirava uma soneca, seguimos ruma à outra ilha, de Taquile, local onde nasceu o ex-presidente peruano Fujimore, local em que permanece a língua nativa, o quéchua, como também toda a tradição indígena local. Após atracar na ilha tínhamos que subir um monte de 400 metros, o vilarejo ficava do outro lado da encosta, durante a subida pelas escadarias de pedra, chicas vendiam pulseirinhas artesanais feitas na ilha e uma erva para evitar o efeito soroche durante a subida, friccionávamos na mão a erva e respirávamos fundo o ardor da planta...
Lá de cima a vista era deslumbrante, uma das mais lindas que vi em toda minha vida, não acompanhei o grupo e fique no cume por quase uma hora observando a junção do lago Titicaca com a cordilheira dos Andes e o céu, mais do que azul...
Descendo no vilarejo, pude notar que todos usavam vestimentas típicas, os homens caminhavam pela rua tricotando, crianças tocando seus instrumentos, na parte baixa as alpacas comiam graminhas entre as pedras dos antigos muros do vilarejo. O silêncio local me trazia paz na alma e uma satisfação enorme de estar ali, o nosso barqueiro, o Caronte dos Andes, havia errado o caminho, nos trouxe ao paraíso.
Marcelo Nogal




A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (UMA PARA VISITAR LOS URUS O OUTRO A ILHA TAQUILE);
COMO CHEGUEI: ÔNIBUS DE COPACABANA (SAI ÀS 13HS E CHEGA ÀS 17HS EM PUNO);
ONDE FIQUEI: A POUSADA QUE FIQUEI NÃO EXISTE MAIS;
O QUE COMI: COMI LOMO SALTADO EM UM DOS RESTAURANTES DA CIDADE (8 REAIS UMA REFEIÇÃO);
COMO ME LOCOMOVI: DE BARCO PELO LAGO TITICACA A PÉ PELA CIDADE DE PUNO (MEIA HORA DE CAMINHADA DO TERMINAL RODOVIÁRIO ATÉ O PORTO DE PUNO);
PRA ONDE FUI: PEGUEI ÔNIBUS NOTURNO PRA CUSCO (8HS); CHEGA EM CUSCO ÀS 5 DA MANHÃ;