Relato Huaraz
MANÉZITO DA MONTAÑA
Neste relato não quero achar culpados, vilões ou motivos para o fato, apenas contar a minha versão para orientar e conscientizar futuros mochileiros, para que sua viagem não tenha um final trágico! Conto a Lenda, que se criou no Peru em Huaraz do “Manézito da Montanha”!
10/01/2013, 9hs - Huaraz, Peru.
Descemos da lotação que nos deixou na entrada do Parque de Huascaran, bem no início da trilha, posicionei a Hubble e tiramos a última foto juntos!
Antes de começar a trilha nos reunimos para acertar os detalhes da aventura: “Tentaremos chegar à Laguna Churup até, no máximo às 14hs! Se não conseguirmos voltamos, porque aqui nessas montanhas dos Andes às 17hs começa escurecer, e não é uma boa ideia andar por essas trilhas à noite, mesmo que elas sejam demarcadas e simples!” Depois da deliberação rapidamente apreciamos a beleza inóspita daquele local, as formações rochosas do vale, os cumes nevados e ao fundo um céu plenamente azul! Encantado pela natureza que nos cercava, alguns cliques foram inevitáveis para registrar o momento, mas ao olhar pro lado: “Cadê o Tchucatchuca?” “Puta que pariu! Saiu na frente sem nos esperar e não tá na trilha de novo!”
Flash-Back Inn
06/01/2013, 16hs – Cabanaconde, Peru.
Depois de subir o Vale Del Colca, chegamos à praça preocupados e eu muito irritado! Olhamos para os bancos da pracinha: “O Tchucatchuca não tá aqui! Deve ter se perdido! Porra porque saiu na frente sem nos esperar!”, Tio Nelson disse: “Eu fico aqui na praça vendo se ele aparece e você vai até o Hostel ver se ele está por lá!” fui a passos acelerados, bati na porta, tenso, quando a moça abriu, rapidamente perguntei: “Por acaso meu amigo passou por aqui, pois ele saiu na frente na trilha...” “Sim ele chegou há meia hora e saiu novamente...” Uhhh que alívio... E na sequência escuto alguém gritando meu nome no final da rua, encima de uma pedra gigantesca! Gritei: “Seu filho da Puta! Tá louco!” a volta pra praça foi assim: “Você tá maluco! Quando se faz trilha tem que ficar com o grupo, você nem conhece a porra do lugar, você não viu que o tio Nelson estava com câimbra ontem na trilha e não tem o mesmo condicionamento que o nosso e se acontece alguma coisa com ele, e se acontece alguma coisa com você, porra, nós que vamos ser os culpados! Quer fuder com a viagem e com a gente!” O tio Nelson tentou apaziguar a discussão no meu momento de fúria, disse: “Acontece!”
09/01/2013, 21hs – Huaraz, Peru.
Depois de fazer as compras no mercado estávamos arrumando as malas para fazer a trilha: “Como o tio Nelson tem o menor condicionamento, ele leva só a Hubble! Eu levo toda a equipagem de filmagem e fotografia e você como não tá levando porra nenhuma, leva pelo menos a nossa comida!” “Levo mais o quê?” “Leva lanterna, umas caixas de fósforo pra caso se perder mandar mensagem pra gente que nem os índios no desenho do pica pau... Leva a capa de chuva e a blusa de frio!”
27/12/2012 – 13hs Porto Velho, Brasil.
“Não acredito Tchucatchuca, que você tá indo pro Peru e não trouxe a blusa de frio e a capa de chuva que eu ti falei!” “Eu esqueci! Mas será que vai precisar mesmo?” “Lógico! Você vai andar no meio das montanhas nevadas, se chover e não tiver a capa de chuva vai ter hipotermia! Vamos comprar isso agora!” “Mas meu dinheiro é pouco!” “Compra no cartão, se vira!”
Flash - Back Off
À medida que íamos subindo a montanha, tio Nelson ia sentindo muito o efeito da altitude, dos quase quatro mil metros, andava um pouco, parava, andava mais um pouco, respirava fundo, andava mais um pouco, admirava a paisagem das Coordilheiras, e, o Tchucatchuca cada vez mais a frente...
Até que chegamos em uma cachoeira e do lado um grande paredão de pedra. O tio Nelson disse: “Não dá mais pra mim!” “Vai desistir agora, falta pouco, talvez mais uma hora, subir mais uns 300 metros, depois desse paredão deve estar a Laguna!” “Não aguento mais, vai, tenta alcançar o Tchucatchuca, que eu te espero aqui!” percebi que ele estava exausto. “Tudo bem!” Rapidamente subi o desfiladeiro, para tentar alcançar o Tchucatchuca, mas no meio do caminho me deparei com uma corda de aço entre duas pedras enormes, a pedra estava lisa devido as chuvas, não dava pra arriscar subir sozinho, gritei: “Tchucatchuca, volta e me ajuda a subir a corda de aço! Não consigo fazer isso sozinho, é perigoso!” só escutei: “Aqui em cima é muito louco, Nogal!” Foram as últimas palavras que escutei do Tchucatchuca... Ele não voltou pra me ajudar e naquele momento tinha que ter prudência, não podia arriscar minha vida naquele local só pra ver uma Laguna, decidi por voltar e esperar com o tio Nelson o Tchucatchuca regressar.
Passaram por nós um casal de suecos, que seguiram pela trilha, vimos da cachoeira que um ajudou o outro na parte que estava a corda e ambos continuaram sua jornada até a Laguna, depois vieram os espanhóis, também seguiram...
Então ficamos ali, curtindo a natureza, eu deitado sobre uma pedra, curtindo o sol dos Andes, adormeci. Fui acordado por volta das 14hs pelo Tio Nelson, que avistou os suecos voltando... Quando eles desceram até onde estávamos, perguntei: “Conseguiram chegar à Laguna?” “Sim, depois do paredão são mais meia hora de caminhada!” “E viram por lá um rapaz sozinho, de óculos, calça marrom?” “Não, só avistamos uns espanhóis!” Aquela informação me gelou! Que merda de lugar o Tchucatchuca foi parar! Disse: “tio Nelson vamos esperar os espanhóis descerem, se eles não tiverem avistado o Tchucatchuca pela laguna, deu merda! Ele se perdeu!” Depois de 20 minutos, vimos os espanhóis descendo, era um momento tenso, de ansiedade, agonia e o tempo rapidamente mudou na montanha, nuvens cinzas envolviam os cumes nevados, uma chuva estava eminente, sem o sol a temperatura rapidamente despencou!
Fiz a mesma pergunta ao espanhol e a resposta foi: “Não, só vi o casal de suecos!” “Tio Nelson, deu merda! Temos que descer rapidamente até a entrada do parque e informar aos guardas que ele se perdeu!” “Que tal você descer e eu fico aqui esperando...” “Não, temos que descer juntos e pedir ajuda!” A descida foi lenta e angustiante, não podia ir rápido demais, tinha que seguir no ritmo do tio Nelson, garantir sua segurança e a minha primeiro... Na descida íamos mentalizando, pensamento positivo, queríamos que o Tchucatchuca estivesse bem, ao mesmo tempo ia refletindo por toda trilha, e, tentando entender o que tinha acontecido: “Será que ele tinha chegado a Laguna? Morrido afogado, caído em uma fenda?
Descemos em duas horas e informamos aos guardas do parque, que incrédulos, saíram rapidamente em busca do brasileiro perdido, nunca ninguém tinha se perdido naquela trilha, eles achavam aquela circunstância quase impossível, nesse momento chovia, entramos na Toyota dos guardas do parque, agora só nos restava esperar e torcer pelo melhor, foram às horas mais demoradas de nossas vidas... E depois de duas horas de espera o guarda do parque voltou mais incrédulo do que antes, não tinha achado o Tchucatchuca! Que naquela hora e com aquele tempo não tinha mais o que fazer, ia montar um grupo maior e logo ao amanhecer ia retomar as buscas...
Voltamos para a cidade, arrasados, imaginando como estaria o Tchucatchuca no meio daquelas montanhas sozinho, com aquela chuva e baixas temperaturas, se estava vivo e em que condições... Chegamos ao hotel desgastados, abalados mentalmente... Praticamente não dormimos.
No dia seguinte sai com os guardas do parque em mais um dia de busca, o Tio Nelson ficou na cidade, ia tentar encontrá-lo por lá e dar a difícil informação a família que ele tinha desaparecido, essa era a parte mais difícil, falar com os parentes naquele momento crítico...
No segundo dia, subíamos montanhas, descíamos desfiladeiros, alguns guardas do parque fizeram rapel do lado da cachoeira, onde o vimos pela última vez, e nada! Procuram pela Laguna e nada, nenhum pertence, nenhuma pista, as horas iam passando e exaustos continuávamos as buscas por Churup e nada, voltamos frustrados do parque e ao entrar na Toyota nem tive tempo de respirar e o celular tocava sem parar, era o cônsul, o embaixador do Brasil querendo notícias, os repórteres da Rede Globo, Rede Record... O Marjor da polícia local, o Marjor da polícia federal prometendo um maior efetivo de soldados para o terceiro dia de busca...
Naquele momento no carro, ninguém dizia mais nada, silencio total depois de mais um dia frustrante de buscas, mas todos já esperavam pelo pior, no próximo dia a busca seria para encontrar o corpo, ninguém mais acreditava que o acharíamos com vida, depois de três noites sobre o clima hostil das montanhas Andinas, todos nós vínhamos com isso no pensamento, mas ninguém dizia nada, ao chegar à cidade, pela internet tínhamos que informar a família, os amigos e continuar dando esperanças de encontrá-lo com vida, afinal a esperança é a ultima que morre...
Pela cidade os repórteres locais começaram a nos perseguir, queriam tirar fotos, fazer perguntas... Os Mandava procurar a polícia local e nada falava... Compramos uma garrafa de Pisco para tomar e tentar conseguir dormir naquela noite! Sem sono, sem fome, sem vontade, totalmente desolados... Daí surgiu mais um momento difícil, ter que arrumar a mala do Tchucatchuca, em um gole e outro de Pisco, pensávamos na maneira de entregar os pertences de viagem para a família, naquele momento nós éramos os culpados, me sentia responsável por tudo, era o mais experiente e que tinha chamado o Tchucatchuca para aquela jornada pelo Peru Andino... Pensava em como seria minha vida voltando ao Brasil, marcada por essa tragédia! Eu não desejo aquela noite pra ninguém...
No terceiro dia de buscas, não fomos, eu não tinha mais condições físicas para avançar pelas montanhas para acompanhar os guardas do parque, ficamos no posto policial aguardando por noticias. As moças da polícia municipal foram extremamente atenciosas e sempre esperançosas não deixavam de nos motivar, dizendo que tudo acabaria bem, mas a cada hora que passava sabia que a chance diminuía pra quem está a deriva na natureza implacável dos Andes...
Até que chegou uma mensagem via rádio: “Acharam um rapaz numa fenda com a perna quebrada!” Nossa, aquela notícia, foi incrível, tirou um peso das minhas costas do tamanho do mundo! Abraçava as policiais, dava enormes gargalhadas, como era bom voltar a sorrir e aliviado, gritava de alegria na delegacia... Fui rapidamente dar a notícia a família, que no Brasil devia estar mais angustiada do que eu, falar finalmente que tudo ficaria bem, que tudo não passara de um susto... Como foi bom dar aquela notícia a família! Como era confortante pra mim, mas ao voltar para a delegacia, a Capitã do posto policial dava uma bronca na Cabo que tinha dado a informação... Aquela informação não estava confirmada, não sabia se era ele, se estava com vida, era só uma suposição... Então aquele estado de euforia rapidamente se transformou em desespero, fui do paraíso ao inferno em poucos minutos... Tinha acabado de informar a família, que merda... Voltamos para a antiga tensão, e agora... Só depois de duas horas tivemos uma resposta definitiva: Tinham resgatado o Tchucatchuca com vida, com alguns arranhões numa fenda de cinco metros, estava consciente e tinha sobrevivido graças a um golpe de sorte, por estar com a capa de chuva, blusa de frio e ter levado todas nossas provisões que o sustentou por três dias...
Finalmente veio o alívio, um ufa longo... Um ufa de “que experiência...” Informamos ao pai do Tchucatchuca que imediatamente o levaríamos pra Lima e o embarcaríamos no primeiro voo pra São Paulo! Fomos esperar sua chegada ao hospital, imaginávamos que aquela experiência tinha mudado o Tchucatchuca! Ele chegou por volta das 22hs ao hospital, todo sorridente como se nada tivesse acontecido, mostrou sua máquina fotográfica, e disse: “Olha Nogal, eu escorregando as geleiras do Nevado Churup!” “Enfia no rabo essa máquina, seu filho da puta!”
O Tchucatchuca chegou até a Laguna, viu o Nevado, saiu da trilha foi até lá e ficou brincando de escorregador até anoitecer... Quando quis voltar não enxergava nada, e acabou indo em direção ao desfiladeiro onde caiu e ficou preso na fenda por três dias: “Por que você falou pra minha família? Não precisava!” “Você tá maluco, você tem noção do que tá acontecendo! Amanhã a gente volta pra Lima e você volta pra São Paulo!” “Não, vou continuar com vocês, até o Equador!” “Nunca, game over pra você!
Foi levado ao pronto socorro do hospital, várias injeções, soro, raio-x... O médico me perguntou: “Como se diz aventureiro no Brasil?” “Esse tipo de aventureiro se diz ‘Mané!’, ‘Manézito’” as enfermeiras riram e assim começou a ser chamado por todos em quanto estava internado, sendo tratado naquele hospital “O Manézito está fazendo exame de sangue!” “O Manézito está na sala quatro” “O Manézito está famoso no Peru!”
Assim surgiu a lenda... E você mochileiro, quando viajar tome cuidado para não ser o próximo Manézito da Montanha... Na vida dificilmente o final é feliz! Tem que ter muita sorte...
Marcelo Nogal



A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS (VISITAR OS PARQUES);
COMO CHEGUEI: ÔNIBUS NOTURNO DE LIMA (12HS DE VIAGEM);
ONDE FIQUEI: EM UM HOSTEL HUMILDE NO CENTRO DA CIDADE (15 REAIS A DIÁRIA)
OBS. (NA MAIORIA DAS VIAGENS QUE FIZ NÃO RESERVEI HOTEL - GERALMENTE FICO NOS MAIS BARATOS, QUE NÃO TEM NOME, NEM SITE NA INTERNET)
O QUE COMI: COMI ESPAGUETI EM UM DOS RESTAURANTES DA CIDADE; (8 REAIS A REFEIÇÃO)
COMO ME LOCOMOVI: HÁ MICROS QUE TE LEVAM PARA O INÍCIO DAS TRILHAS;
PRA ONDE FUI: VOLTEI PRA LIMA (35 SOLOS A VOLTA)