Relato Shangrila
APADRINHADO
A cidade de Shangrila é bonita, típica para mochileiros, aquelas ruazinhas cheias de vendinhas, construções de madeira, restaurantes acolhedores com clima delicioso de inverno, céu azul... Mas eu não queria ficar naquela paz de meditação constante, queria fazer a trilha, uma caminhada até o topo do Mount Meli, uma das montanhas mais altas e místicas da região de Shangrila, que separa a província de Yunnan e a do Tibete, mas para chegar lá não foi nada fácil, uma estradinha de 250 km que serpenteia as montanhas do Himalaia num sobe e desce constante, em que parte da estrada estava sem asfalto, e, escavadeiras lutando contra o tempo para arrumar a estrada iam dificultando nossa passagem, em alguns trechos levávamos quase duas horas para atravessar, víamos da estrada bombas explodirem as margens das montanhas, abrindo caminho, escavadeira tiravam os cascalhos que ficavam pela frente, depois éramos liberados para prosseguir nossa viagem.
Eu admirado observava a estreita estrada que serpenteava a montanha amarelada e lá embaixo um rio esverdeado dava tons inusitados aquele local inóspito, no final das contas levamos cerca de oito horas para chegar a Diqin, cidade mais próxima do Mount Meli, durante o percurso conheci um Médico, Mr. Song e sua esposa, que iam para o mesmo local, nos tornamos amigos... Na verdade, eles me adotaram por alguns dias, de Diqin me aconselharam que fosse com eles para Villa, vilarejo pra onde vão todos os turistas, chineses é claro...
Fomos de táxi, ele disse que pagaria a conta, escolheu uma pousada, por 70 Yuans, e, me convidou a ir para o mesmo local, concordei, na sequência me convidou para jantar, então conversamos sobre a China... Ele, como a maioria dos chineses que conversei acha que Mao foi um grande governante para a China, que cometeu pequenos erros, mas transformou a China no que é hoje, uma potência... Em certa parte ele tinha razão... A China é uma força mundial. Mas “Little mistake” foi um tanto quanto eufemista. Perguntei sobre onde vinham os pauzinhos pra se comer, Mr. Song mudou de conversa, então chegamos rapidamente ao assunto “futebol”, por incrível que pareça ele conhecia o São Paulo FC... Conversa vai, conversa vem e a noite acabou com o jantar por conta de Mr. Song... Sopa é claro, ele disse: “Amanhã pelas sete vamos fazer a trilha de Mount Meli, e eu faço questão de pagar o táxi na ida...” Ficava difícil de recusar...
Assim seguimos no dia seguinte rumo à trilha, mais um lugar imperdível na China! Mr. Song foi de jeguinho todo o percurso de 7 km, que era uma trilha íngreme, que circundam o vale nevado de Mount Meli, no Himalaia... Eu preferi ir a pé, apreciando o local, o povo do vilarejo, em que o traçado do rosto muda, a pele fica mais escura, o cabelo mais negro e liso, local onde os homens passavam o dia cortando as árvores do vale e as mulheres carregando o tronco, em pequenas cestas nas costas, pareciam ter o dobro da idade real...
Da paisagem na verdade nem sei como descrevê-la... Quase no final do caminho, um mosteiro sagrado, em homenagem a Meli, é lá que os peregrinos fazem sua última oração, deixa suas oferendas, para ai então enfim, se encontrar com o cume sagrado...
Ia rezando, subindo, passando por bandeirinhas coloridas com mensagens budistas, que circundavam o vale, cheguei nas pontes suspensas e esgotado nas proximidades do cume, olhava pra baixo e o coração gelava, a cada passo a madeira solta rangia, parecia que ia partir em duas, mesmo assim seguia, de repente, um susto, um enorme estrondo, uma gigantesca avalanche nas proximidades do Mount Meli, depois do susto, da neve deslizando pela montanha, continuei meu caminho pela ponte suspensa e digo, é punk ir até o topo, mas a visão do sagrado vale é incrível... Vale a pena o esforço e a aventura! Sentimento inexplicável!
Mas nos fim das contas, Mr. Song pagou o táxi na ida, na volta, o almoço e a janta, me sentia desconfortável, mas negar algo era tratado como insulto por parte do Médico, ele apenas queria conversar, entender além da cortina de ferro chinesa, como era o mundo latino, quem era Lula e o que achava do presidente brasileiro...Por qualquer lugar que andasse pelo vale as margens do Himalaia, os chineses me paravam para tirar foto, arrumavam até uma bola não sei aonde, pra que eu saísse na foto fazendo embaixada, gritavam “Basi” “Basi”, quase um pop estar andando por Villa...
Mr Song também pagou as diárias no hostel, mas já estava na hora de reconquistar a minha liberdade perdida, precisava abandonar meus pais adotivos, era uma situação difícil, mas necessária, eu sabia que era impossível ter despedidas, então deixei a pousada bem cedo antes que todos acordassem e com aperto no coração segui minha viagem solitária para o sul da China...
Marcelo Nogal




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A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (SUBIR O MONTE MELI) ;
COMO CHEGUEI: ÔNIBUS NOTURNO ATÉ SHANGRI-LA E DEPOIS MICRO ATÉ DEQEN (12HS);
ONDE FIQUEI: EM UMA DAS POUSADAS DE DEQEN (15 DÓLARES)
O QUE COMI: COMI SOPA; (2 DÓLARES)
COMO ME LOCOMOVI: DE TÁXI ATÉ O PARQUE;
PRA ONDE FUI: VOLTEI DE ÔNIBUS PRA KUNMING;