Relato Madrid
UM CAIPIRA NA EUROPA
Primeira vez na Europa, e, o complexo vira-lata vinha à tona, no aeroporto de Barajas tudo encantava: o simples movimento da infinita esteira rolante, que cruzava todo aeroporto era motivo de admiração! O guarda da alfandega que carimbou meu passaporte, nem olhou pra minha cara, nenhuma burocracia, tudo simples e prático: o metrô estava ali do meu lado, os guichês eletrônicos, as placas informativas bilíngues, era inevitável a comparação com o Brasil, mas pior que a comparação era o questionamento: “Por que não podemos ser assim?” bastava andar por algumas quadras e notava as diferenças drásticas: pouco trânsito, ruas limpas e arborizadas, muros preservados sem pichação, algo que poderia ser tão trivial... A desigualdade social não fica evidente andando pela calhes da capital. A arquitetura, o charme local, dão a cidade um clima de tranquilidade, parece que tudo funciona perfeitamente bem! Um lugar ótimo para se viver, o que na verdade deveria ser o básico em qualquer lugar do mundo, mas não é... Cheguei ao Albergue Santa Cruz de Marcenado incomodado com o verão europeu, quase 40 graus...
Larguei a Matrix no albergue e empolgado comecei a caminhar por Madrid, ainda impactado com o choque cultural do velho mundo, admirava a tudo, meu primeiro encontro arquitetônico foi com o Palácio Real. O jardim por si só era deslumbrante! Os recortes feitos nas árvores criavam formas geométricas deixando o labirinto verde com um requinte especial, ficava imaginando o Rei Filipe V com sua peruca branca caminhando insolentemente ao redor do palácio de arquitetura neoclássica, tentando contar as mais de 800 janelas da construção acinzentada.
Disputava o espaço com os pombos na frente do palácio para tirar algumas fotos, a máquina fotográfica ainda não era digital, naquele momento não me empolgava muito com os registros fotográficos... O próximo encontro foi com a Plaza Mayor: A tradicional praça madrilenha circundada por velhos sobrados coloridos, eu girava como um pião no meio da praça tentando registrar com a filmadora a imensidão do local, diversos turistas pagavam uma fortuna para beber uma cerveja naquele local, mas e os espanhóis, cadê? Os garçons, o recepcionista do albergue, todos eram imigrantes... Entre as arquiteturas históricas os turistas desfilavam com suas imensas câmeras no pescoço, despreocupados com possíveis furtos, já os espanhóis... Ainda não os conhecia.
Próximo ao marco zero da cidade, que é indicado pela Puerta Del Sol, ficava em uma esquina o restaurante Museu do Jamon, entrei disposto a provar a famosa porção de ‘jamon madrilenho’, o presunto daqui é diferente, mais encorpado e saboroso, junto com o filé de jamon vinha um ovo frito e um pouco de batata. O pequeno prato de porcelana foi servido ali mesmo naquele balcão robusto, numa espécie de mesa circular, todos comiam de pé algum tipo de taco, o fast food espanhol. Os madrilenhos falavam gritando, vários jamons frescos ficavam dependurados sobre o balcão... O local era abafado, claustrofóbico e barulhento, não quis perder mais tempo ali e decidi continuar minha movida madrilenha, assim cheguei ao Museu Del Prado. Do outro lado da Calle Atocha fica o museu Reina Sofia, onde estão as obras de Picasso! Infelizmente tinha dinheiro para visitar apenas um dos museus, então preferi conhecer o Del Prado, pois lá estão as maiores obras do mundo: Botticelli, Caravaggio, Rubens, Van Dick... Até então só tinha apreciado os museus de arte de São Paulo, e, não fazia ideia das dimensões dos quadros de Velasques, Goya: Na pintura observava a guerra, a violência representada em tons vermelhos, a brutalidade iluminada por rostos sombrios, aquela era a liberdade representada de forma visceral por Goya (The Third of May), já o oposto desse heroísmo romântico, na sala dos reis, era o quadro da Família de Felipe V, que cobria praticamente toda a fachada vermelha da sala, sentei no banco e fiquei por alguns minutos respirando fundo, tentando resgatar a energia devido à longa caminhada do dia. Antes de partir tirei minha primeira self, junto com as meninas de Velasques, naquele momento eu mal podia imaginar o que seria o futuro com os Smathphones acoplados em paus de self...
No mercado de Madrid percebia como as regras eram rígidas pela cidade, queria comprar cerveja, mas naquela hora era proibida a venda, com aquele jeitinho brasileiro de ser, insisti, mas não teve jeito, depois das 22hs, nada de vender bebidas alcoólicas! No verão europeu, as 22hs começava a escurecer, frustrado voltei ao albergue com minha ceia que comprei em um mercado local: Pão e um pacote de salsicha, comi tudo cru mesmo a caminho do albergue...
Acordei um tanto zonzo, ainda se adaptando ao fuso horário, parece uma bobagem, mas não, o meu relógio biológico leva uns dias pra se acostumar com o novo fuso, principalmente quando a mudança é brusca, mas não tinha tempo a perder, minha rotina atual era caminhar, caminhar, caminhar e observar a capital de Castilla, praticamente igual a um turista tradicional, a única diferença é que tinha apenas 10 euros pra gastar naquele dia... Fui até à Plaza Del Toro, conhecer um dos maiores palcos de tourada: O estádio era imenso e belo, com sua decoração moura... Digo que acho cruel o que fazem com o animal, mas quando viajo, tento me esquivar de alguns dogmas e adentrar na cultural local, experimentá-la sem preconceitos ou estigmas, por mais difícil e doloroso que seja, esses traumas culturais nos transforma em pessoas melhores.
Também vou aprendendo e muito com a falta de experiência, viagem independente e sola, diariamente nos dá golpes no estômago sem dó, nem piedade... Hora de comprar as passagens de trem no Terminal Atocha Renfe: Férias na Europa, terminal abarrotado, filas, senhas, muita gente comprando passagens... Um horror! Perdi horas preciosas da minha viagem naquela fila... Tive pouco tempo para apreciar o restante da cidade! No final da Grand Vía tentei filmar a fonte de Cibeles, a deusa grega eternizada no coração de Madrid, um pouco mais a frente chego ao Parque Del Retiro... Um belo local pra se passar o final de tarde com a família... Madrilenhos passeavam de pedalinho num laguinho do lado da imponente estátua de Alphonsus XII, cercadas por colunas neoclássicas e leões de mármore, espanhóis e seu fascínio por leões, na bandeira, em estátuas...
Deitado sobre a grama do parque, jantando meu pão com queijo, um pouco menos influenciado pelo deslumbre de pisar em solo europeu pela primeira vez, já começava a enxergar uma Madrid um pouco diferente, não como um turista que fecha os olhos pras mazelas, eufórico que vê perfeição em tudo, esse era eu ontem, obcecado por uma esteira do aeroporto; hoje sou esse andarilho insignificante, suado, comendo pão com queijo e caçando bebedouros pelo parque para matar a sede, que não tem o direito de refrescar a alma com uma cerveja depois das 22hs... Tirando a vida glamorosa dos viajantes pelos pontos turísticos da cidade, o que seria Madrid? Uma cidade quadrada, certinha de mais, entediante pra um jovem latino americano em busca de aventura, mas uma cidade perfeita para um pai de família criar seus filhos sem medo, sem ter que sair de sua zona de conforto, na normalidade da prisão dos preceitos capitalistas modernos, em que as pessoas esquivam os olhos dos imigrantes que os cercam, os mesmos que fazem a cidade funcionar, matando um leão por dia pra sobrevier... Cidade de leões invisíveis, talvez pacata...
Cansei de procurar nuvens no céu azul de Madrid e voltei a andar, esse era meu lema nessa viagem: caminhar, caminhar, caminhar... E não é que encontro Marcelo D2, andando pelas calhes da capital... Deixa eu me esconder, se me ver vai pedir um autógrafo... Tarde de mais, me viu, pediu pra tirar uma foto... Qual é neguinho, Qual é?
Marcelo Nogal




A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (VISITANDO OS MUSEUS , CAMINHANDO POR RETIRO E PELO CENTRO HISTÓRICO);
* PRADO
COMO CHEGUEI: DE AVIÃO DO BRASIL ATÉ O AEROPORTO BARAJAS; DEPOIS METRÔ ATÉ O HOSTEL;
ONDE FIQUEI: HOSTEL SANTA CRUZ DE MARCENADO - 22 EUROS
O QUE COMI: COMPRANDO ALIMENTOS NO MERCADO DA CIDADE;
COMO ME LOCOMOVI: INDO A PÉ E VOLTANDO DE METRÔ;
PRA ONDE FUI: PEGUEI ÔNIBUS NOTURNO PARA PARIS (12HS) - EUROLINES ;