Relato Barcelona
DIAS DE MENDIGO NA CATALUNHA
O recepcionista do albergue me disse: "Não há mais vagas!" "Mas eu reservei!" "Foi para o dia 27, sinto muito!" O atraso do voo da BRA me ferrou... Procurei por outra hospedagem, mas não obtive êxito, o mínimo que consegui foi uma hospedagem por 65 euros, não tinha dinheiro suficiente pra custear isso, ainda não existia Smartphone com internet pra me auxiliar na busca de uma hospedagem que atendesse as minhas necessidades, então tive que tomar uma decisão difícil, mas transformadora, foi o dia que realmente comecei a me libertar dos padrões morais impostos pela sociedade, que te sufoca com o mundo politicamente correto... Voltei para a rodoviária e com alguns euros deixei a Matrix no guarda-volumes da estação, esse foi o inicio da ressurreição!
A minha via crusis até a Sagrada Família, não foi tão trágica, as bolhas no dedão do meu pé não doíam tanto, me acostumei a andar mancando, pouco mais de um quilometro e a imponente construção de Gaudí estava diante de meus olhos! O mais difícil foi aguardar naquela longa fila de turistas para entrar e subir na íngreme torre da catedral Catalã. Depois de algumas horas, o único brilho que imaculava meus olhos, eram os belos vitrais coloridos no interior da igreja, a fila nos direcionava a um caracol de degraus que sumiam na escuridão, era um pouco claustrofóbico, comecei a descida, em cada curva vinha a recompensa: de pequenas janelas podia ver de perto os detalhes esculpidos nas entranhas da catedral, podia apreciar a genialidade de Gaudí: flores coloridas de pedra decoravam as paredes, e, aquelas imensas colunas verticais que saltavam ao céu eram árvores de cimento, estava numa floresta imaginária de Gaudí... Depois de sair da igreja, com mais calma, pude apreciar a fachada religiosa, rica em detalhes, que retrata as passagens da Paixão de Cristo.
Minha peregrinação pela Catalunha continua, vou perseguindo os rastros deixado por Gaudí: a Casa Milá tem curva insinuantes, a fachada parece moldada pelo vento, pudera Milá ser uma deusa dos sonhos eróticos de Gaudí... No meio do caminho descobri outro artista catalão, Miró, as ruas de Barcelona me apresentaram sua arte: a Mulher e Pássaro... O mundo sempre me presenteando com as várias faces da liberdade!
Segui entrecortando o bairro gótico, em uma determinada área, ficam concentrados os imigrantes árabes, aquele local parecia tenso, era lá que o tráfico de drogas fluía, aqui todos os informes dos pequenos comércios eram escritos em catalão e árabe, vielas escuras, muitas janelas com roupas a quarar, gatos pulando de uma varanda para outra, motocicletas pareciam ser a única forma de circular pelas entranhas do bairro de forma rápida, elas surgiam do nada e desaguavam na artéria principal do Bairro Gótico: a Rambla... Todos os jovens da Espanha pareciam estar ali reunidos para um Happy-Hour, a jovialidade catalã pulsava por aquela calle... Troquei meu jantar por um canecão de breja na Rambla, talvez para me consolar por ser um sem teto... Sonhos de uma noite de verão europeia. Sentei e observei o movimento, o vai e vem sem sentido que a vida nos proporciona, a maioria de bêbados, assistia a uma procissão fútil de adolescentes. Algumas prostitutas se insinuavam, a grande maioria imigrantes do leste europeu. O garçom já estava incomodado com minha presença, estava há horas ali com o copo vazio, resolvi caminhar, passei em frente à estátua de Cristóvão Colombo, ele apontava para uma direção, talvez a que eu devesse seguir naquela noite quente, no porto uma grande festa acontecia no Maremagnum, o som eletrônico ecoava pelas ondas do mar, sentei num banco solitário, escondido do resto da sociedade, fiquei ali alguns minutos observando o brilho de alguns barcos equidistantes, solitários no infinito cintilavam, as vezes os confundia com as estrelas da via láctea... Fazia uma introspecção da viagem e o futuro da minha espécie, as ondas do mar mediterrâneo se chocavam nas docas do porto, as gaivotas planavam pelo vasto céu negro...
Estava tentando me preparar espiritualmente para a noite que teria pela frente, como um passe de mágica a música eletrônica cessou, era três da manhã... Resolvi caminhar um pouco mais, acho que era a única coisa que sabia realmente fazer bem naquela viagem... Encontrei uma área verde, um gramado com uma pequena elevação e algumas árvores, lugar perfeito para deitar e admirar as estrelas... Não vi as estrelas, não sonhei com Dali e nem tive pesadelos com Franco, foi como um piscar de olhos, fui acordado com o sol no rosto e um guardinha metropolitano com seu apito pedindo para que eu saísse da grama... Não foi tão ruim quanto imaginava, estava ótimo, um tanto quanto fedido, mas tinha sobrevivido a uma noite ao relento... A poucos metros dali a praia de Barceloneta me aguardava para o meu batizado no mar mediterrâneo, procurei por algum velhinho catalão confiável e pedi que cuidasse das minhas coisas: alguns euros, meu passaporte e minha filmadora... E lá estava eu, com os pés na água: três mergulhos e pronto: Purificado, e, um pouco salgado, a minha sorte é que na praia de Barceloneta havia duchas públicas pra tirar água salgada do corpo... Na RedHouse ainda estava o micro sabonete do Albergue de Praga, só não dava pra trocar de roupa, enfim nem tudo é perfeito nessa terra cristã... Na praia topless pra tudo quanto é lado, vi seios de todos os tipos e cores: pera, maçã, biquinho roxo, caído, melão, até enjoar e sair de lá desencantado com o sensualismo europeu...
Caminhei um bocado pra chegar ao estádio Camp Nou e lá entender como se ganha dinheiro com o futebol, a lojinha do Barça vendia de tudo, de camisa à pingentes do clube, no Brasil nenhum time tinha um projeto interessante pra se ganhar dinheiro com a marca esportiva, enfim o Brasil... Havia um museu interessante contando a história gloriosa do clube: bonecos de gesso, os troféus de suas conquistas, uniformes antigos, e, dentro do estádio o famoso verso em catalão: “Mes que um club!” talvez fosse um time como qualquer outro, mas o marketing o tornou gigantesco.
Próximo ao estádio, numa mercearia, comprei pãezinhos e salames para o jantar, foi o que encontrei de mais barato, cinco euros... Não me importava em comer mal, era por uma causa maior: estar ali na Catalunha... Sem glamour nenhum, sentei numa imensa praça no final da Avenida Diagonal e comecei a filosofar sobre a vida de viajante: “Que merda de viagem é essa que eu estou fazendo sem dinheiro?” a resposta veio em forma divina, uma visão sagrada: sentou na praça do meu lado, uma loira linda, vestindo uns trapos velhos, ela carregava um pacote do mercado, trazia duas maçãs... Ela simplesmente, só me olhou e me deu uma das maçãs, eu como agradecimento lhe dei um pão e um pouco do meu salame, a partir daquele momento, o significado daquele tipo de viagem começou a fazer sentido pra mim... Aquela maçã do amor! Foi paixão a primeira vista, por aquela Vaca Profana... Quero dizer, Barcelona!
Marcelo Nogal




A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS
1º BARCELONETA E RAMBLA
2º SAGRADA FAMÍLIA E CASA MILÁ
3º PARQUE GUELL E BAIRRO GÓTICO;
COMO CHEGUEI: ÔNIBUS DE PRAGA - EUROLINES - 18HS DE VIAGEM;
ONDE FIQUEI: UMA NOITE NO IDEAL YOUTH HOSTEL - 15 EUROS E OUTRA NOITE NAS RUAS DE RAMBLA;
O QUE COMI: COMPREI ALIMENTOS NO MERCADO DA CIDADE ;
COMO ME LOCOMOVI: CAMINHANDO NA IDA E DE METRÔ NA VOLTA
PRA ONDE FUI: PEGUEI ÔNIBUS NOTURNO PRA MADRID (6HS);