Relato Namíbia
Um mochileiro descobre que o Nada é Tudo...
A Namíbia é um pequeno país localizado no extremo sul do continente africano, do tamanho dos estados de São Paulo e Minas Gerais juntos, é o único país de colonização germânica na África. Que por incrível que pareça é pouco explorado por mochileiros do mundo. Altos custos, difícil acesso e natureza hostil são alguns motivos que levam as pessoas a escolher outras rotas... Já yo, rsrs, todos esses fatores me instigam a conhecer esse país exótico e pouco visitado, acredito que um dos menos visitados do mundo. A população do país inteiro é menor do que a população da cidade de Salvador (Bahia), sendo que 80% está concentrada na capital Windhoek (em que a pronuncia é algo parecida com ‘Vinduk’). Algumas pessoas me diziam: “O que você vai fazer na Namíbia, se lá só tem deserto? Vai ir lá pra ver pedra e areia? Lá não tem nada!” Pois é, era isso que eu amava ver: imensidão, e, o nada para mim era tudo o que eu precisava pra ser feliz...
Pegamos o ônibus na Cidade do Cabo para Windhoek (1500 km), e a viagem durou aproximadamente 28hs... Chegando à capital da Namíbia ficamos no concorrido Chameleon Backpackers, o hostel mais barato da cidade, de lá os mochileiros compravam os pacotes de três dias para conhecer as atrações naturais do país. Eu achava os preços caríssimos, e, sempre odiei fazer pacotes, gosto da minha independência durante a viagem. Eu e meu amigo tio Nelson decidimos alugar um 4x4 por sete dias e explorar por conta própria toda a Namíbia, desvelar o ‘nada’ que ela me reservava... O custo do Jeep era de 50 dólares por dia...
A empolgação era enorme na locadora, ansioso para pegar o carro e sair dirigindo que nem um maluco pelo país... Era um Jeep branco, logo o apelidei de “Lua do Asfalto”, o rapaz tentou explicar como funcionava o carro, mas não entendi bulhufas do que falou em inglês, só dizia: “Ok” “Yes” “Give me key!” encheu o tanque e finalmente seguimos estrada afora... Não tínhamos GPS, celular não funcionava, apenas uma foto impressa printada do Google Maps nos guiava, ou seja, navegação ‘Raiz’ pela Namíbia... Sabíamos que apenas a estrada principal (B1) era asfaltada, no mais... Nada de nada...
Então era uma lua no céu e outra na estrada, e, seguíamos loucamente para Spitzkoppe, sim é um nome mais bonito que o outro nesse país exótico... Era impressionante o sentir só no meio do nada, passavam horas sem vermos um carro, uma habitação, uma alma vida... Somente deserto, a estrada e a Lua com seu reflexo no céu... Uma estrada bem conservada e bem sinalizada, ficava impressionado, porque em Alagoas, no país das bananas, onde tem de tudo, quer dizer; não tem placa nas rodovias e todas estão esburacadas, enfim foi fácil chegar no Parque de Spitzkoppe (5hs), as formações rochosas eram impressionantes e lá encontramos uma pequena árvore que só existe na Namíbia chamada de Quiver! Estávamos sós no parque, então podíamos explorá-lo à vontade, subir nas pedras, meditar, admirar o horizonte azul contrastando com o solo dourado, e, em uma das pedras formava um arco, parecia o olho da montanha e dentro dele a lua flutuava, depois de poucas horas na estrada eu já me sentia encantado, com uma paz de espírito ensurdecedora... Me sentia livre nos confins daquele deserto da Namíbia, me sentia sublime vagando pelo nada...
De volta à estrada, agora de terra, passei dos 80k/h e fiz a primeira merda daquele dia... Perdi o controle da Lua Do Asfalto, e ela girou, rodopiou três vezes pela estrada até parar no canteiro de areia, envolta de uma imensa nuvem de poeira... Nunca tinha dirigido um 4x4 antes, então never experiência, não fazia a menor ideia, que tinha de murchar os pneus dependendo do terreno que andasse... Como a estrada estava deserta, como sempre na Namíbia, nada nos aconteceu, e depois do susto, nas estradas de terra, nunca mais passei dos 80k/h... No final do dia chegamos à pequena cidade de Swakopmund, onde comemos um frango assado e uns pães com alho e arrumamos algum lugar para dormir.
No segundo dia, bem cedinho abastecemos o carro, enchemos o galão reserva, colocamos gasolina até nos cantis, pets de coca-cola em tudo lugar que armazenasse combustível, porque iríamos atravessar à Costa do Esqueleto, e, se por acaso se perdêssemos pelo caminho e ficássemos sem gasolina, seria morte na certa... A Costa do Esqueleto é o encontro do deserto com o Oceano Atlântico, local inóspito, sem presença humana... A Costa do Esqueleto recebeu esse nome, porque na época das navegações marítimas, os tripulantes dos barcos que encalhassem nessa região estavam condenados a morte, na região costuma se formar uma neblina densa, uma armadilha para os navegantes desavisados... Ainda é possível encontrar as embarcações encalhadas as margens das costas, como os ossos de animais ornamentando as areias do vale: focas, elefantes ou algum animal que tenha se perdido por essas bandas... Era nesse lugar amaldiçoado que entraríamos com a Lua... A entrada era intimidadora com a ossada de uma baleia nos portões do parque, antes de passar, tínhamos que assinar um termo de responsabilidade do tipo: “Se você não retornar não nos responsabilizamos por nada! Já sabem do perigo!”
Depois que passarmos daquele portão assustador, com o coração acelerado, nos deslumbramos com um deserto singular, incrivelmente lindo... O próprio deserto mudava de cor e de forma à medida que avançávamos, era uma metamorfose do nada, em alguns momentos o deserto tinha uma tonalidade azulada, outras rosada, outras esverdeadas... Passávamos por salares, podíamos largar o carro no meio da estrada, sair para explorar aquela imensidão... O silêncio era absurdo... Até que avistamos um lago com uma água rosada, tínhamos que parar para explorar... Tivemos uma grande surpresa, atrás de uma colina centenas de flamingos dançavam pelo lago e nós estávamos lá, juntos com eles naquele cenário selvagem e peculiar, uma miragem que a gente só vê nos documentários da National Geographic... Livres podíamos voar com as aves, pelo menos com o olhar e do lado do lago separado por uma estreita faixa de areia estavam as ondas do Oceano Atlântico do lado africano... Era uma mistura de cores, o rosa do lago e o azul do mar, a brisa do oceano refrescava o corpo nesse bailar pelo deserto... Encontramos ali perto a ossada de um leão marinho, para relembrarmos que apesar daquela região parecer um paraíso, a Costa dos Esqueletos era traiçoeira e mortal... Tínhamos que continuar nossa jornada atravessando aquele deserto antes que escurecesse... Continuávamos nossa jornada, nos guiando pela lua do céu, e o mar ao Oeste... Seguíamos pro Norte, até que a Lua do Asfalto parou de funcionar... Estávamos à deriva ao ermo, mas sabíamos o que era... O combustível tinha acabado! E lá íamos nós debaixo do sol escaldante abastecer o veículo novamente... Agora a jornada ficou tensa... Tínhamos que continuar atravessando a Costa do Esqueleto e torcer para a gasolina ser o suficiente até o primeiro posto aparecer no horizonte... Rodávamos, rodávamos, sol na cara, oras a estrada virava uma costela de vaca, o Jeep ia a 20k/h trepidando todo, o marcador denunciava que a tanque de gasolina estava na reserva novamente, a tensão aumentava, até que já no último fio de luz do dia, saímos do parque e encontramos um posto de gasolina... Ufa, que alívio, a Lua estava cheia again...
Chegamos num vilarejo chamado Khorixas e o tio Nelson disse: “Vamos parar para dormir aqui!” ai discordei: “Não podemos, temos que prosseguir, mais 100 km até a entrada do Etosha National Park!” “Não, temos que parar aqui, dirigir a noite com animas na estrada é perigoso!” “Eu sei que é perigoso, mas eu vou divagar e tomando o máximo de cuidado possível!” “Não, melhor não!” “Se a gente parar aqui, quando chegar no parque, já vai estar tarde e quente e os animais vão ter debandado pra mata! Temos que ir hoje.” “Melhor não!” liguei o 4x4 e prossegui, a Lua brilhava solitária pela estrada, segui com muita cautela e depois de três horas de tensão chegamos na frente do parque, exausto parei o Jeep e dormi ali mesmo...
No terceiro dia da Jornada após acordar bem cedinho, ia fazer a troca de motorista, para explorar o parque e começar a caçar os animais dentro dele, mas recebi a ríspida resposta: “Você naum quis dirigir ontem à noite, então dirigi o resto da viagem ai, se vira!” recebemos um mapa das estradas do parque na entrada, disse: “Mas eu preciso ver no mapa o nosso destino, pra encontrar os Big Five!” “Vê o mapa, dirigi, faz tudo ai!” O que para ele era uma penalidade, para mim era uma diversão, então simbora dirigir pelo parque com sorriso nos dentes... Entramos no Etosha NP, um dos maiores parques para realizar safári na África e começamos a procurar os animais, mas o objetivo era muito difícil e árduo, o parque é imenso... Então descobri que encontrar sozinho os grandes animais seria uma missão quase impossível! Sem a ajuda de um ranger do parque seria como procurar uma agulha no palheiro... Rodamos, Rodamos e encontramos apenas os animas mais comuns: zebras, girafas, veados, emas, antílopes... Infelizmente descobri que um dia seria pouco pra essa aventura pelo Etosha...
Daqui pra frente só eu dirigi pelas estradas da Namíbia... O quarto dia foi praticamente todo dirigindo indo do Norte ao Extremo sul do país pra chegar até o segundo maior cânion do mundo... Não me perdi nenhuma vez, todas as estradas eram bem sinalizadas, apesar de serem de terra... Quando encontrávamos alguma vendinha do lado dos postos de gasolina, aproveitávamos para comprar algum lanche, se vende muito hambúrguer nesse país devorado por desertos... Chegamos ao Fish River Cânion e que visão incrível! Mais um daqueles lugares de se tirar o fôlego, sentar e admirar a imensidão que se perde no horizonte! O desfiladeiro laranja é imponente... Durante toda essa jornada quase não vimos ninguém pelos locais turísticos a não ser nós...
Depois seguimos para o último ponto da viajem, para fechar com chave de ouro, iríamos ao parque de Sossuslvei no coração da Namíbia, onde se encontram as dunas com tons alaranjados, as únicas dunas do mundo que não se movimentam com a força dos ventos por conter ferro em suas propriedades químicas. As areias são mais densas e tem uma tonalidade mais escura proporcionando belíssimas fotos... As Dunas são numeradas, sendo a 45 a maior de todas, está é a que podemos escalar e ter uma visão lindíssima lá de cima da região com seus vários ‘nadas’... Próximo dali, esta o cemitério de árvores petrificadas. Árvores com mais de 900 anos de idade, secas pra eternidade... O local é tão quente e tão seco, que nenhuma bactéria consegue sobreviver nessa região, o que mantém os restos das árvores ali intactos, esses galhos secos formam um cenário lindíssimo no meio do deserto... Uma imensa jardineira leva os visitantes até o cemitério de árvores, são cinco quilômetros por uma estrada de areia fofa, decidi por não arriscar entrar com a Lua do Asfalto nesse caminho por não ter prática com o 4x4... Mas quando chegamos o ônibus já havia partido... Não ia perder por nada, conhecer aquele local, decidi caminhar pelos 5kms no meio do deserto... O tio Nelson não quis ir... As 10hs da manhã a temperatura já passava dos 40 graus, não tinha sombra... E a jornada foi estafante... Encontrei algumas pessoas voltando que me olharam e disseram assustados: “Você é louco de ir pra lá a essa hora do dia!?” “Não tenho escolha! Sorry...” Cheguei exausto, encharcado de suor e o sol continuava castigando... Mas como aquele lugar era lindo, um paraíso para fotógrafos... Mas infelizmente não tinha muito tempo pra reflexões ou comemorações... O sol era impiedoso, tinha que tirar algumas fotos e sair rapidamente dali, antes que a insolação me assolasse... Alguns registros pra eternidade, e, voltei a caminhar pelo deserto por mais 5kms... Não sei se aguentaria, mas como sempre meu anjo da guarda viaja junto comigo, a jardineira voltava de outra parte do deserto com os turistas e me vendo ali na estrada sendo fritado pelo sol, o guia me ofereceu carona...
Depois da hidratação, era hora de continuar a estrada rumo à capital da Namíbia e entregar o Jeep, estava convencido que sete dias para essa jornada foram poucos, precisava de mais tempo para saborear com calma as nuances do deserto, seus pores do sol, tempo para observar melhor os animais... Quem sabe numa próxima jornada...
Me despedi da Lua de Asfalto, minha eterna companheira da Namíbia, estava encantado com esse país tão cheio de nada, em que o deserto ganhava várias formas e tonalidades no horizonte, deslumbrado com os tipos de vida em cada canto hostil desse país... A Namíbia foi um dos países que mais me senti livre, eu me sentia um astronauta, um desbravador que chegava em terras virgens e se encantava com o que via... Essa foi a Namíbia que eu aprendia a amar: um tudo no nada...
Marcelo Nogal






