Relato Índia
Índia - um mochileiro admirando o Caos
Não sei o que acontece comigo, mas sempre quando tento escrever sobre a Índia, tenho um bloqueio poético... Tento evitar o trivial, esmiuçar esse gigantesco país sem cair em seus bordões um tanto quanto clichês: “Exótico!” “Místico!” “Incrível!”, mas parece ser impossível...
A índia é um imenso país Asiático ainda separado do mundo globalizado, a sua posição geográfica por incrível que pareça a torna um país de difícil acesso: Ao norte a cordilheira do Himalaia, se torna um paredão natural com a China, ao sul o oceano, ao Leste uma floresta impenetrável impossibilita a entrada por terra ao sudeste asiático, e no Oeste temos a fronteira com o Paquistão e Afeganistão, que estão fechadas para os Indianos, e acesso fechado para o mundo devido as guerras... Se não for pelo céu, chegar à Índia é algo quase impossível... Alexandre o Grande que o diga... Então a cultura ancestral ainda não foi destruída pela globalização, o povo carrega as raízes e a essência de mais de dois mil anos atrás... E a religião tem um fator preponderante nessa nação, molda o país: O Hinduísmo, o Jainismo, O Islamismo, o Budismo e tantas outras erradicações e “ismos”...
Eu não consigo definir por mais que caminhe pela Índia se essa cultura milenar exerce uma influência boa ou má para a nação... Eu acredito que toda doutrina filosófica ou religiosa seguida de forma extrema é maléfica... E quando emergimos na cultura indiana, percebemos que o povo segue piamente com suas convicções religiosas, eu não sinto essa ligação religiosa tão intensa aqui na América ou na Europa, diferente do que vejo na Índia... Os indianos nascem no meio de Deuses e morrem com eles, e, essa mitologia sagrada nada mais é do que um desdobramento de suas castas, suas histórias como nação... Um dos principais Deuses na Índia é o Deus do Caos... Então nascer no meio do Caos é natural pra eles, já nós quando chegamos à Delhi, temos quase um infarto quando nos vemos imerso ao Caos, queremos voltar correndo pro Brasil, sentimos saudades de Paris...
Também digo, se você for de turistão, nos inúmeros pacotes oferecidos pra lá, poderá ver a Índia com um olhar mais bollywoodeano, dentro de uma imensa bolha visitará o Taj Mahal (Agra), Tumba de Humayun (Delhi), Mehrangarh Fort (Jodhpur) e City Palace (Jaipur) e verá uma índia um tanto quanto falsa... Agora quero falar do viajante independente que imerge na cultura do país...
Pra quem não está acostumado com esse mundo “singular” vai ser realmente complicado Amar a Índia, e por mais que tenhamos a mente aberta, é difícil filtrar todo o Caos existente: O barulho das buzinas, o cheiro de urina misturado com incenso, elefantes, vacas e tuc-tucs disputando espaço nas vias, pedantes que ti perturbam, Sadhus quase nus cobertos de cinza fumando haxixe que te abençoam, mulheres de burca que cagam na sua frente, crianças que ao invés de pedir esmola pedem shampoo ou chocolate, peregrinos fieis a deusa Menakisi que tomam leite junto com ratos...
Tudo é surreal, parece uma loucura, tudo aquilo faz com que você queira chorar como uma criança perdida no inferno... Ai chegamos ao segundo erro: Tentar compreender o que é incompreensível... E é seguindo os dogmas do Caos, que o povo não reivindica um sistema de coleta de lixo mais eficaz, não reivindica um sistema de esgoto, porque segundo suas crenças esse “mal” é necessário pra evolução humana, do caos ao paraíso, atingir o Nirvana em várias vidas de transformação...
E da mesma forma que o Kamasutra se torna um processo de chegar a Deus através do sexo, e mesmo que ainda os Dotes são as formas de casamento entre castas, em que meninas já estão arranjadas desde criança, e tantas outras são mortas ainda bebes pelos próprios país por não ter dinheiro suficiente para pagar o dotes, e, no qual camisinha não é usada por questões religiosas: A explosão demográfica é imensa...
Então o país se torna um mar de pessoas, tudo é super lotado, o trem, as ruas, os templos... E até visitar o Taj Mahal se torna uma jornada insana... Você acaba se sentindo privado da sua privacidade... Você sempre tem a impressão de que está sendo sempre observado de algum lugar, você arrisca fazer a barba nas ruas de Agra e mais de duzentas pessoas param pra ver o barbeiro passar a navalha em seu rosto... A cada quarteirão que ande das ruas de Jaipur, sempre aparece alguém vendendo alguma coisa e ti importunando, e eles são insistentes, vão ti seguir por mais de meia hora até que você compre...
E o mais insólito de tudo: Sexo é tabu, nos filmes bollywoodeanos em pleno século 21 não há cenas de beijo, sim um simples beijo não é permitido nas telonas! Mas se por um lado há uma ignorância religiosa, por outro há uma tolerância entre as pessoas, de castas diferentes, de religiões diferentes... As arquiteturas belíssimas são preservadas... Mulheres com seus lindos sares coloridos se misturam com mulçumanas com suas burcas negras... Monges com suas túnicas de cor açafrão caminhão tranquilamente pelas ruas... Com essa cultura da tolerância a arte é passada de pai pra filho... É assim na música, nas danças, nas esculturas, na gastronomia, nas formas de meditação... Nada se perde com o passar de milênios... É essa cultura diferente que faz da índia uma potência mundial tecnológica e medicinal...
E em cada pedaço da Índia você vai imergindo cada vez mais no inexplicável... Assim é quando chegamos ao Rajastão, atravessamos o deserto de Thar na corcova de um camelo e vivemos alguns dias no meio dos Berberes e antes de dormir podemos admirar os cometas cruzando o céu noturno, e depois de tudo isso chegamos a uma cidade dourada da cor do deserto, a cidade medieval de Jaisalmer, mesmo que no meio daquele Caos é uma sensação inenarrável...
O mesmo ocorre quando chego ao rio Ganges, e vejo os indianos escovar os dentes e tomar banho naquela água com 99% de coliforme fecal, e, a noite todos aqueles rituais ancestrais, mistura de cânticos e cheiro de madeira queimada, com a fumaça deixando o ar sinistro e carregado dos ghats com os crematórios hindus...
Fico hipnotizado ao admirar a ostentação e os palacetes dos marajás Indianos extremamente megalomaníacos... Templos dedicados aos Macacos em homenagem a Hanuman, templos para Ganesh... Templo para Bhrama... Locais sagrados por onde Buda teria passado... É essa mistura de temperos não só na culinária, mas em cada canto da Índia, sempre com um toque apimentado, que pode ser surpreendente e ao mesmo tempo assustador aos nossos olhares ocidentais...
E eu no meu estilo de viagem, ainda sim, consigo me sentir como um marajá, comendo nos melhores restaurantes, ficando em bons hotéis e indo de tuc-tuc pra tudo quanto é lado e gastando pouco, mas ao mesmo tempo, pagando fortunas por um papel higiênico, vendo os talheres serem areados com gordura animal, escutando os indianos com seu inglês peculiar, “Sory” , se assustando com a maneira que movem o pescoço quando falam com você, uma espécie de tic psicótico... Com o trabalho infantil por todas as partes, com a habilidade que tem de aprender outras línguas e de serem inusitados...
E após descrever minha experiência “Índia”, vocês podem notar que mesmo querendo, não consigo fugir do “Exótico” e do “Místico” e olhando as fotos da minha jornada por esse país incrível, é inevitável pensar nessa nação sem seus rótulos, mas o que torna esse lugar tão excêntrico, é que depois de tudo que foi falado, de todo esse caos que o envolve, é impossível olhar as fotos sem: Aversão, surpresa e fascínio... E depois de falar um pouco sobre a Índia, ainda fico confuso a pensar a respeito...
Marcelo Nogal