Relato Paramaribo
Sentimentos antagônicos de um mochileiro:
No limite do Sonho e do Pesadelo... (Continuação do relato ) que se inicia em:
Chegamos à Paramaribo ao entardecer... E começamos a procurar um hotel barato pra ficar, andava pra um lado, andava pro outro: “Moço, eu já sou velho e eu tô cansado de andar com essa mala pra todo quanto é canto, vamô fica em qualquer hotel memô que eu pago, num sei como tu consegue andar com essa mochila gigante no lombo sem cansar!” “Me dá sua mala, Mineiro...” “Mas Moço...” Até que depois de andar mais um pouco encontramos um hotel barato, mas só tinha um quarto disponível, quando entramos no room 88 a surpresa: Cama de Casal. Enquanto eu tomava um banho. O Mineiro vestiu um pijama, tirou uma cobertinha da mala, forrou o chão e deitou nela, eu disse: “O que você tá fazendo no chão, Mineiro? Deita na cama!” “Uai, deixa de se bobo! Vou me deita na cama com outro homê não! Não senhor!” “Mineiro, eu não sou gay e muito menos vou te comer, pode deitar na cama!” “Não senhor, nunca deitei na minha vida com um homê, não vai ser desta vez não!” “Deixa de ser besta, ninguém está vendo, ficar nesse chão frio e duro é pior!” “Não senhor!” “Tá bom Mineiro, eu durmo no chão e voce dorme na porra da cama!” “Obrigado, o senhor é muito gentil memô!”
Pelas ruas de Paramaribo se percebia a diferença da colonização holandesa, as arquiteturas mais preservadas, cidade limpa, um ar de tranquilidade, parques bonitos e arborizados, belos templos hindus, imensas mesquitas mulçumanas, ruas bem construídas e vários cassinos espalhados colorindo a noite da cidade, aqui encontrei muitos indianos, sim, tinha uma colônia deles na América do Sul...
Acordei bem cedo e disse: “Mineiro, hoje eu vou pegar uma minivan e irei até uma cidade remota às margens do Rio Suriname, no coração da Guiana Holandesa, vou andar muito no meio da mata, então acho melhor o senhor ficar o dia descansando aqui, ou se quiser pode caminhar pela cidade, ok!” “Tudo bem moço, não quero atrapalhar!” O Senhorzinho de Minas me acompanhou pela cidade até achar a minivan que me levasse até o tal Rio onde ele é mais selvagem, então me despedi do velhinho e antes de subir no bus comprei um lanche numa vendinha, quando subi na minivan para Brokopondo, assustado disse: “Mineiro, o que você está fazendo ai dentro?” “Se o senhor não se importar, eu gostaria de ir pra selva com você, Moço!” Depois de duas horas chegamos a um vilarejo no meio da relva, disse: Mineiro, é melhor você ficar aqui no vilarejo e esperar eu voltar!” “Tudo bem, não quero atrapalhar!” comecei a caminhar pelas trilhas de terra, entre árvores imensas que cobriam o sol, quando olhei pra trás: “Mineiro, você por acaso tá me seguindo!” “É que eu achei melhor...” “Tá eu já entendi, vambora!” pelo caminho éramos abordados por homens em picapes perguntado se estávamos ali para garimpar e para quem trabalhávamos... Dizia que estávamos a passeio, eles desconfiavam... Chegamos em frente a uma montanha, fazia muito calor e a umidade da selva nos castigava, o velhinho já ia se arrastando e quando ele viu a montanha disse: “Moço, eu não consigo mais, tô muito cansado, eu já sou velho, vou sentar debaixo daquela árvore e te espero lá!” “Mineiro, falta pouco... Não desiste agora... Você consegue subir até o topo da montanha, você chegou até aqui, vai chegar lá também... Eu confio em você!” Ele foi subindo aos trancos e barrancos, parando, respirando fundo, tomando toda minha água, até que finalmente chegamos, ele sentou exausto no cume da montanha... Por um instante fiquei desapontado, não era uma vista tão incrível, várias árvores e o rio lamacento lá no fundo e um lago a se perder de vista... Olhei pro velhinho e o vi com os olhos marejados: “Por que tá chorando, Mineiro?” “Porque eu tô cheio de felicidade uai, tô com 60 anos e esse é o lugar mais lindo que eu vi na minha vida, obrigado por ter me trazido aqui, Moço! Jamais esquecerei desse dia, estou realizando meu sonho de infância de ver o Amazonas”
Decidi voltar com o Mineiro pra Guiana e levá-lo até a minivan que vai para o Brasil, pra que ele não fosse enganado por ninguém, assim fizemos todo trajeto de volta novamente até Georgetown, comprei a passagem para Lethem e o deixei na minivan, disse que iria ao banheiro, mas não, sai sem rumo pelo mar de lixo, por entre becos das casas de madeira da capital, fui chorando, porque era covarde, porque não era bom com despedidas...
Marcelo Nogal


