




Sanatório Padre Bento = Um local histórico esquecido no coração de Guarulhos
Acredito que boa parte dos Guarulhenses, já tenham ao menos escutado falar do Hospital Público Padre Bento, mas ele é só um pedacinho do que no passado fora chamado de SPB (Sanatório Padre Bento) O imponente complexo foi construído 1931 sobre uma colina, margeado por fazendas e charcos na então distante cidade de Guarulhos.
Antes de Hittler por em prática sua teoria da “Raça Pura” na Alemanha, aqui no Brasil a eugenia seguia a todo vapor. Quem não se enquadrava no perfil de sociedade perfeita era de alguma forma excluído do sistema. Foram criados manicômios, sanatórios bem distantes das grandes capitais, onde todas as pessoas indesejáveis pelo sistema eram levadas. Quem tinha hanseníase (Lepra) pegava o Tramway da Cantareira (O famoso “trem das onze” da música de Adoniram Barbosa) no centro de São Paulo e descia na estação Gopouva, de Guarulhos, construída no alto da colina exatamente com este fim: segregar pessoas com hanseníase de todo o estado e interná-los no SPB.
Ocorria a internação compulsória, em que a pessoa era obrigada a ficar no SPB até que sarasse, ou seja, uma prisão pro resto da vida... Depois que constatada a doença, crianças eram tiradas de suas famílias ‘a forças’ e enviadas para o Sanatório, muitos ainda bebes, nunca souberam quem era sua mão ou pai, se transformaram nos órfão do SPB.
O Doutor-Dermatologista, Nelson Guimarães Proença, que trabalhou no SPB relata em seu livro de memórias:
“Para muitos o asilo não foi voluntário. Conto dois casos que me foram diretamente narrados pelos protagonistas, estes eu conheci quando comecei a trabalhar em Padre Bento.
Por volta de 1930 não era ainda um bairro, Edu Chaves, era uma gleba de terra encravada entre o Jaçanã, no extremo Norte da Capital, e a Vila Galvão, esta já no Município vizinho de Guarulhos. Uma gleba desprovida de qualquer Serviço Público, invadida há muitos anos por mais de uma centena de doentes de lepra, que moravam em casebres e barracões. Conheci sobreviventes daquela época no período em que trabalhei no Sanatório Padre Bento. Por seu intermédio fiquei sabendo de muitas histórias relacionadas ao Edu Chaves. Por exemplo, soube que saiam montados em mulas e que subiam a Estrada do Guapira, em direção ao Tucuruvi e a outros bairros vizinhos, levando uma longa vara atravessada no colo. Nas extremidades da vara estavam fixadas canecas e, a medida que o animal caminhava, sempre pelo centro da via pública, a vara era estendida aos que estavam nas calçadas. Os passantes depositavam suas moedas nas canecas, era habitual que assim procedessem, tomados por sentimentos de piedade e de caridade. Ao fim do dia os pedintes voltavam com suas mulas ao acampamento e distribuíam fraternalmente o produto da coleta diária. Tendo sido construído o Sanatório Padre Bento as autoridades de Saúde foram ao acampamento do Parque Edu Chaves, ofereceram transporte para que todos, levando suas coisas pessoais, para ele mudassem. Poucos aceitaram a oferta, a maioria preferiu permanecer vivendo ali mesmo, no acampamento. Não houve argumento capaz de mudar esta decisão. Em dada noite, quando todos já dormiam, notou-se estranha movimentação em torno dos barracos, mas foi somente ao amanhecer que se percebeu o que estava ocorrendo. Havia se desenvolvido uma verdadeira operação militar durante a noite, com a presença da Força Pública do Estado, esta realizou um cerco completo do qual ninguém conseguiu escapar. Os mais resistentes foram subjugados e levados à força para os muitos caminhões estacionados em volta do acampamento. Estando tudo embarcado — as pessoas e também alguns de seus pertences — o acampamento foi totalmente incendiado, em poucas horas deixou de existir. Estas histórias estavam vivas na memória dos pacientes, mas delas não há registro oficial. O que ficou foram relatos como estes, que me foram narrados já passadas três décadas depois de terem ocorrido.”
A historiadora Guarulhense, Maria Thereza Avelino, publica em seu livro que a Cavalaria da Força Pública (hoje Polícia Militar) cercava dia e noite o asilo-colônia Padre Bento para garantir que nenhum paciente fugisse da colina.
Um campo de futebol com medidas oficiais foi criado no complexo, arquibancadas com arquitetura clássica britânica foi levantado ao redor do campo... Os pacientes com hanseníase, na época chamado de leprosos, construíram sua própria igreja. O teatro em art Decó foi finalizado em 1936. Uma paróquia para catequese e uma escola para os órfãos do asilo também foram construídos... Mas a mais bela das arquiteturas foi uma Pérgula Neoclássica construída na frente do SPB, e era utilizada na época para a realização do casamento dos internos.
Um outro mundo, uma outra realidade habitava aquelas colinas depois dos portões do SPB, cura não existia, as pessoas estavam condenadas a viver o resto de suas vidas ali no asilo. O SPB tinha tudo para dar errado, como o Juqueri em Franco da Rocha, e, como o Hospital Colônia de Barbacena, mas não, inacreditavelmente o asilo seguiu o caminho oposto dos outros locais de segregação do Brasil, por dois motivos: O primeiro foi o seu Diretor, Dr Lauro de Lima, que era chamado de pai pelos internos, pela maneira que se dedicava em dirigir de forma digna e esperançosa o Sanatório. Os hansenianos enclausurados na colina, o homenagearam nomeando o estádio do asilo com seu nome. O segundo motivo foi a descoberta do tratamento contra lepra através da sulfa. O que levou todos os exilados no SPB a cura. No local não ouve abusos, nem maus tratos contra os pacientes e devido a excelência no tratamento todos os médicos que passaram pelo sanatório, saíram renomados e com grande prestigio na comunidade médica da época.
Eu cresci em meio a esse mundo de segregação, uma criança em volta de pessoas deformadas com lepra ou fogo selvagem, que nada entendia e se impressionava com o que via, minha avó ajudava na produção de lençóis com saco de leite para serem doados para os internos do Sanatório... Brincava e se pendurava nas árvores do SPB, e no porão do teatro via caixões amontoados...
Os anos passaram e o Sanatório deixou de existir, foi todo desmembrado pelo sistema capitalista, condomínios foram erguidos, um pedaço dele se transformou no Hospital Padre Bento, mas vários resquícios do Sanatório ainda existem espalhados pela região... Infelizmente, o abandono e o descuido dos poderes públicos destes locais históricos fez com que boa parte dessa linda história esteja em péssimas condições... Assim está a tradicional arquibancada do campo, podre... A antiga escola de madeira dos órfãos do SPB atualmente é a escola de primeiro grau Jair Miranda, e ainda é possível ver sua arquitetura clássica, também é possível ver a igreja dos leprosos e o teatro reformado... No Parque da Saúde é possível encontrar a antiga paróquia rosa onde os órfãos eram catequizados, e do outro lado do muro os imensos pavilhões onde as crianças eram internadas... No mesmo parque ainda é possível ver a flora, as árvores da mesma época dos enclausurados e voltar ao tempo, caminhar pelas estradinhas de pedras construídas pelos hansenianos quando ali ficavam enclausurados e chegar à imponente pérgula e se deliciar com a profundidades do corredor todo florido, que cheira o passado... Sentar num belo banco de cimento neoclássico feito na década de 30, como tantos outros mais simplórios construídos debaixo de imensas árvores, que com o passar dos tempos vão emergindo suas raízes da colina e devorando as construções, destruindo o chão de cimento do SPB, agora todo coberto por musgos... A selva vai invadindo as ruínas do local.
As terras que abrigavam o complexo, ainda é um local incrível e pitoresco para belas fotos, local para sentir a natureza e o clima da colina, sentir a história que nos cerca, tudo isso no coração de Guarulhos, quando vc imergir nessa região, vai achar que está em outro lugar do mundo, menos em Guarulhos, se o SPB estivesse em terras européias acredito que receberia centenas de pessoas por dia para conhecê-lo... Mas como está no Brasil segue despercebido no olhar dos mais apressados...
Marcelo Nogal