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Relato Havana

LA REVOLUICION – Um Mochileiro em Cuba!

 

(Se ouvir algumas dessas músicas cubanas, ao ler esse relato o texto terá outro sabor)

 

 

 

Tudo tinha acontecido de forma inesperada, após um mês de viagem tinha economizado 200 dólares, e, caminhando por Bogotá tive um surto filosófico: Será que com 200 U$ eu conseguiria comprar uma passagem aérea para Havana? Com essa ideia maluca em mente fui ao consulado cubano em Bogotá, na entrevista com a consulesa, lhe contei toda minha jornada épica por estrada de São Paulo até a Colômbia, e, de meu desejo de conhecer a cultura cubana, emocionada já com os olhos marejados a consulesa carimbou meu passaporte. Em terras venezuelanas encontrei uma passagem aérea que custava justos 200 U$...

Era assim que chegava ao acanhado aeroporto de Havana, logo após o desembarque fui enrolado por um vendedor de mapas, quatro dólares pelas ilustradas calhes de Havana desenhadas no papel, o câmbio era outro golpe: 0,90 centavos de dólar equivaliam a 1 peso cubano para turistas, e, 1 peso cubano para turistas (Convertibles) equivaliam a 7 pesos cubanos para o povo... Mal pisava em solos cubanos e já sentia toda a rivalidade entre Cuba e EUA, e porque não dizer entre Socialismo e Capitalismo!

Sai do aeroporto em busca de um ponto de ônibus, a todos que perguntava a resposta era sempre a mesma: “Não existe coletivo, vá de táxi!” “E as pessoas que trabalham no aeroporto, como voltam pra casa?” meio confusos com minha pergunta diziam: “Ah, este coletivo demora de mais, é melhor ir de táxi é mais rápido!” o sotaque cubano era diferente do latino-americano continental, se aproximava mais do sotaque madrilenho... Continuava minha caminhada pelo aeroporto em busca de uma parada de ônibus, desta vez fui abordado por um baixinho de boina: “Venha comigo, camarada, eu posso te levar para Habana!” “Não obrigado, quero saber onde é o ponto de ônibus?” “Nunca conseguirá pegar um Coletivo para o centro, camarada, você está em Cuba, mas nós temos um preço interessante para te levar para Habana Veja!” percebi que ele era um taxista clandestino e que não tinha muita escolha, entrei no seu carro, um Aero Willys branco, disse que se alguém perguntasse algo sobre minha saída do aeroporto: “El es mi primo!”

 

Assim atravessamos a cidade plana e arborizada de Havana, do subúrbio para a área central, me perguntou em qual hotel iria ficar, pedi que me indicasse algum e que fosse barato. Disse que me levaria na casa de uma família, que era algo ilegal e se me pegassem seria deposto de Cuba, mas que o preço era ótimo, o quarto custava 25 pesos Convertibles, o taxista falava demais, menos seu nome, tagarelava sobre o Brasil, fazia muitas perguntas e como um guia turístico me atentava sobre algum local histórico: Foi nessa praça que Fidel proclamou a independência cubana...

À medida que adentrávamos no centro da capital, a cidade se esticava na vertical, grande parte dos prédios estavam em estado deploráveis, parecia que a cidade havia passado pela guerra mundial, que estava abandonada, mas não, entre as ruínas e escadarias escuras viviam muitos cubanos e eu que tinha em mente o povo da ilha todos semelhantes aos jogadores de vôlei, descobri que estava completamente enganado, como em São paulo o povo era uma mistura de raças e culturas afro-europeias.

Paramos em uma rua, na verdade todas as calhes de Habana eram semelhantes para os olhos de um forasteiro tupiniquim, o taxista bateu na porta de um velho apartamento, saiu uma senhora com bob amarelo nos cabelos, os dois entraram e me deixaram só naquela rua, naquele momento estava impressionado com o visual da cidade, os diversos carros da década de 50 em estado impecável passando pela rua: Austin, Ford, Sedan, Cadillac entre outros... Observei também a calma do senhor de barbas brancas que caminhava lentamente pela rua com seu enorme charuto, até que veio lá de dentro a dona da casa me pedindo para entrar, me levou até um quarto, disse que era de sua filha, mas que seria meu para os próximos dias, a garota iria dormir com a mãe, perguntou se eu estava com fome... Disse que sim. Então prontamente me preparou um arroz com ovo, e, como o taxista, aquela mulher falava demais, falava das novelas brasileiras, que sonhava em conhecer o Rio de Janeiro, perguntava se aquelas imagens que via na TV da cidade maravilhosa eram reais... Os cubanos e sua ânsia por falar, seria devido ao isolamento?

Comi e rapidamente sai para desbravar a última cidade realmente socialista da América Latina: Nada de Outdoors ou qualquer tipo de marketing pelas ruas, todos os comércios eram simples, somente uma entrada sem placa, sem nada! Com maquinário antigo, daqueles que foram utilizados no comércio paulistano há três décadas, algumas vendas de pizza (não as chamaria de pizzaria) ficavam sobrepostas a grades, quando perguntava o motivo, diziam que a criminalidade havia aumentado em Havana e que a melhor maneira de proteger seu comércio era com aquelas grades.

Era delicioso andar pelas Calhes de Havana, nos Outdoors da cidade só encontrava mensagens socialistas ao lado da face de Che Guevara, o herói publicitário de barba criado pelos comunistas cubanos... Nos apartamentos destruídos pelo tempo, enormes faixas eram penduradas na janela em varais ao lado de roupas molhadas, uma delas dizia: “Oitenta anos mais com Fidel!” outra: “Ser Mulher com orgulho! Igualdade na Cuba de Fidel!” Para me refrescar do calor intenso de Havana parei para tomar um copão de garapa, dei uma moeda esperando o troco, me disse que estava certo, em cuba eu nunca sabia o preço certo das coisas, se os preços eram em Convertibles ou em moeda local, em muitas vendas não havia o preço dos produtos, por outro lado o espírito socialista do povo era fascinante! Parava em algumas casas-pensão e perguntava o preço de um quarto, a resposta era sempre a mesma: “25 pesos Convertibles!”

No centro da cidade em uma casa de câmbio, uma guarita velha no meio da praça, os cubanos trocavam as moedas locais por Convertibles e os turistas Convertibles por dólar, lá consegui corromper o socialismo, pedindo que um garoto me conseguisse a moeda local por alguns trocados, mas depois andando pela cidade, em todos os locais que tentava usar a moeda local, me diziam: “Estrangeiro outra moeda!” Se fosse no Brasil, aceitariam qualquer moeda desde que lucrassem com ela, barganhar era quase impossível, o preço era justo, nada de enrolar o povo com valores exorbitantes, o pensamento igualitário seguia por quase meio século na ilha.

Em um shopping a marca era sempre a mesma: Refrigerante de Cuba, Bolacha de Cuba, Boné da indústria cubana, nada de concorrência, tudo igual! A filosofia era de comprar algo duradouro e preservá-lo ao máximo, assim eram os rádios, os telefones e os carros antigos, e por falar neles, para se ter um carro em Cuba, era necessário enviar uma carta de requerimento ao governo explicando as necessidades de se ter um. O litro de gasolina, cubana, custava cerca de 0,10 centavos de pesos na época...

Como não estava acostumado com aquilo, depois de décadas sendo bombardeado pelo capitalismo e a filosofia de comprar tudo em 36 vezes, aquilo tudo me sufocava! Nada de golpes, nada de conseguir vantagens com a bondade ou inocência do povo! A ideia de um por todos e todos por um, arruinava meu método de viagem mochileira!

Os coletivos cubanos eram primitivos, gigantes e cinzas com dois compartimentos soldados de forma grotesca, um número informava seu destino, passavam sempre lotados e quando perguntava pra alguém seu destino, soltava a frase: “Pegue o táxi, camarada.” Decidi por caminhar, mas logo fui abordado por alguns policiais que me disseram: “Caminhe no outro lado da rua, porque está calçada é proibida!” “Como assim?” “Este quarteirão pertence à embaixada americana, só os americanos podem andar por ela!” Achei aquilo ridículo, mas não tive escolha, o que pude notar é que atrás do quarteirão havia um gigantesco palco para comícios, com os imensos alto-falantes direcionados para a embaixada! Será que aquilo era uma provocação?

 No Museu de cinema cubano, descobri que eles adoravam provocar os vizinhos, oitenta por cento dos filmes cubanos, e na maioria sátiras, falavam da relação conturbada entre os dois países, de todos os movies, só conhecia ‘Morango e Chocolate’, e por falar em chocolates, em Havana Velha a fábrica de chocolate era qualquer coisa! Ainda mais para um forasteiro chocólatra! A fábrica contava a história da introdução do cacau na ilha, da sua evolução no que se refere à produção, até chegar ao momento mais esperado da visita, o da degustação!

Outro ponto forte da cidade era o de visitar La Bodeguita Del Medio e tomar o tradicional mojitos: mistura de Habana Club com folhas de hortelã e otras cositas mas. Este bar sempre foi um recinto de poetas, músicos e artistas da boemia cubana de outras épocas, as paredes estavam repletas de dedicatórias, alguns versos, e, agora pichada pelo forasteiro tupiniquim! Em um pedacinho daquela parede está imortalizado as insígnias: “Nogal esteve aqui!” Espero que essas paredes resistam por mais um bom tempo, algo que não se pode esperar com tanta certeza do Socialismo...

Quando estava em Cuba, em mais uma das minhas mochiladas, o que menos importava conhecer eram os pontos turísticos, as feiras de artesanato, etc... O que me encantava e tornava essa viagem para cá tão especial era o Socialismo conduzindo a vida do povo da ilha. Como tudo pertencia ao governo, resolvi visitar uma escola pública. Em São Paulo no governo dos tucanos uma boa escola é aquela que tem a melhor estrutura: pintada, decorada, com chafariz, alguns computadores para pregar a modernidade no ensino brasileiro e péssimos salários ao corpo docente. Fica evidente que o ensino é uma política capitalista para arrecadar fundos internacionais em torno do marketing educacional, já em Havana em que o salário é igualitário: professor, diretor, enfermeira ou qualquer outro que trabalhe no setor público, todos tem a mesma faixa salarial, a escola se faz em qualquer lugar que tenha se tornado abandonado, a educação física é feita em qualquer espaço disponível: um estacionamento, um parque, encima da laje... Todas as crianças têm o mesmo uniforme, e, entrando em uma escola, notei que as salas de aula eram divididas por paredes (se é assim que posso chamá-las) de fibra de vidro, ninguém ficava escondido, alunos, professores e diretores, todos se viam simultaneamente durante o dia, transparência no ensino, não há políticas, mas sim educação...

Visitando o hospital público, outra surpresa: nada de filas enormes, caos em atendimento, tudo muito prático, o local transpirava um ar de tranquilidade, era prazeroso andar pelo hospital, uma espécie de vilarejo entre muros, cada casa um departamento, parecia não haver burocracias, não havia implicância absurdas, regras para atendimento, todos trabalhavam focados no bom senso, as enfermeiras trabalhavam alegres, serviam café aos pacientes que esperavam, eram gordas socadas em seus amarelados uniformes, mas nunca carrancudas e mal-humoradas. Chegava uma ambulância no pronto socorro, de bate pronto o paciente era atendido. A farmácia também tinha lá suas esquisitices, uma prateleira imensa com vários frascos, cada qual com um pequeno informe: “pra reumatismo” “pra gripe” “pra dor de cabeça”.

Uma das delegacias de Havana ficava em uma construção histórica, parecida com um castelinho, e, o carro do comando policial não era nada moderno! Há muitos parques e praças para o povo e eles adoram assistir as partidas de Beisebol...

Próximo ao pôr do sol, andando pela Avenida Beira-Mar, vendo o Mar do Caribe se chocar violentamente nas pedras costeiras, também vejo cubanos trajando sua camisa branca e calça jeans azul clara, sem marca, invariável, surradas. Sentados nos muros da Beira-Mar com olhares distantes para, talvez, um horizonte perdido, que se escapou pelo tempo, que a ilha tinha sido deixada pra trás, para aumentar o tom do meu pensamento melancólico, como que se adivinhasse meus pensamentos, um senhor com um terno sovado e chapéu panamá parou do meu lado e tirou de sua maleta um saxofone, sentou-se no muro e começou a tocar uma triste música, “el saxo cubano”, enquanto o sol desaparecia atrás dele... Atrás dele ficava os EUA, o capitalismo e todos os sonhos aprisionados naquela ilha... Eu que já pertencia a Buena Vista Sócial Club sentia aquela melodia me contagiar, eu mal havia chegado e já me via envolvido em toda aquela melancolia compartilhada...

Conversando com muitas pessoas de Havana, descobri que o povo lê muito, grande parte sabe da realidade de seu país, que estão presos a uma ditadura a décadas, é claro que é impossível generalizar, que há descontentes, principalmente os jovens com o Governo de Fidel, mas parece claro, que muitos tem medo, do monstro chamado ‘Capitalismo’, mesmo ele parecendo ser inevitável para o futuro da ilha. Os que não são a favor do sistema governamental, geralmente pulam com uma boia no mar caribenho e tentam chegar a Miami, outros esperam os jogos olímpicos, para deserdar a nação. É tudo uma questão de oportunidade e de escolha... Tanto o Socialismo como o Capitalismo tem suas vantagens e desvantagens na realidade de cada nação, a única semelhança é a de que quem está no poder nunca pertence à classe media ou pobre e se acha acima do bem e do mal.

Mas estando em Cuba, pela primeira vez senti o Comunismo na pele, e ele é muito diferente das teorias e das poesias da burguesia liberal russa, e percebi que as pessoas que estão ilhadas, por mais que leiam as teorias capitalistas, sobre o sonho americano, da mesma forma que eu não tem a noção exata do beneficio, só imaginam... Esse povo nasceu no meio desse sistema, respira comunismo todos os dias, está nas entranhas, então causa certa alienação sobre a sua situação... E o estado de felicidade é algo muito parecido com o que vejo no interior do nordeste brasileiro, não sei explicar o porquê, mas as pessoas mais pobres são mais simpáticas, gentis, e mesmo não tendo quase nenhum bem material parecem sempre estar com o sorriso no rosto apesar de tudo... Olhando Havana, rapidamente se percebe que o sistema está fadado a não dar certo... E que o igualitarismo não existe e não funciona, mas apesar de tudo, boa parte da população ama Fidel! E acredita que Che é um herói revolucionário... Nem tanto céu, nem tanto inferno... E na volta levo apenas comigo a lembrança do sorriso desse povo sofrido...


Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO 

 

QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS; (CAMINHANDO PELA CIDADE)

 

COMO CHEGUEI: AVIÃO DE CARACAS ATÉ HAVANA - NO AEROPORTO ENCONTREI UM TAXISTA CLANDESTINO QUE ME LEVOU ATÉ UMA POUSADA CLANDESTINA NO CENTRO DA CIDADE;

 

ONDE FIQUEI: NUMA POUSADA CLANDESTINA (25 PESOS CONVERTIBLES);

 

O QUE COMI: COMIA PIZZA NAS VENDINHAS DA CIDADE;

 

COMO ME LOCOMOVI: A PÉ POR TODA A CIDADE;

 

PRA ONDE FUI: PEGUEI UM ÔNIBUS PELA MANHÃ PARA VARADEIRO (3HS DE VIAGEM);

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