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Relato Šiauliai

Um Mochileiro a caminho do Monte das Cruzes!

Estava na cidade de Vilnius, e, diga-se de passagem, perdido cambialmente... Por um motivo muito simples: aqui nesses confins do mundo, eles não escrevem nada em inglês, só em escrita cirílica e eu não sei diferenciar verbalmente ou na escrita os países: Lituânia, Letônia e Estônia! Sempre me confundo... Em qual país estou afinal? Os soviéticos são os verdadeiros culpados, se não desmembrassem seus estados, tudo seria um país só! Troco alguns dólares e o rapaz do guichê me dá um monte de dinheiro, aquilo é uma loucura, nem sei se cambiei o dinheiro do país certo!

 

Vilnius não parece com a capital de algum país, lembra uma cidade pacata do interior do Rio Grande do Sul, os loirinhos brutos caminhando pelas ruas da cidade... Acho que estou exagerando, como sempre... Aqui tudo é muito barato: Chocolate, cerveja, fast food... Na mímica a gente vai sobrevivendo, com várias notas de mil na mão acabo me sentindo um Czar contemporâneo! Na verdade meu destino final neste país não é Vilnius, mas sim chegar à Montanha das Cruzes que fica próximo a cidade de Šiauliai. Promete ser uma grande aventura, pois ninguém fala inglês. A viagem de Varsóvia até aqui custou seis euros, a jornada de ônibus durou aproximadamente seis horas durante a noite. Colado ao terminal rodoviário fica o terminal ferroviário, onde comprei a passagem de trem para Siauliai, serão duas horas de viagem, cada passagem custou em torno de quinze dólares...

 

A viagem de trem foi muito divertida e interessante, muitos jovens viajaram no mesmo vagão. As poltronas são espaçosas, os vagões altos, se dá a impressão que o trem tinha dois andares e tiraram a parte do meio, o comprimento e a altura do vagão são espantosos, para os padrões que estava acostumado a observar pelo resto da Europa.

 

Ao chegar à estação de trem de Siauliai, sigo até o terminal rodoviário da cidade orientado por um mapa impresso que tirei do Google Maps, lá comecei a brincar de mímica: Ônibus + Montanha + Cruzes... Com um pouco de insistência consegui meu objetivo, o ônibus custava menos de um dólar, só que as saídas eram a cada 2 horas...

 

Fui deixado na beira da estrada, num vasto e deserto campo verde (Jurgaičiai), tenho que seguir mais dois quilômetros a pé por uma estradinha no meio do campo para chegar até a Montanha das Cruzes, você pode comprar um pacotão de um dia em Vilnius por 50 dólares e facilitar sua vida, mas eu gosto de sofre, fazer minha própria “via crucis”.

 

Quando vou me aproximando do Monte das Cruzes, fico impressionado, é gigantesca, milhares e milhares de cruzes amontoadas formando uma montanha! Faltam mais de 500 metros, mas elas estão lá no horizonte, a única montanha e criada pela fé humana naquela vasta planície... Vou chegando naquele local sagrando e lembrando do famoso ditado popular: Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha.

 

Quando chego, observo alguns peregrinos meditando em silêncio, na verdade o silêncio naquele sítio é angustiante, parece que minha atenção acústica vai toda para o zumbido da mosca, que num voo rasante vai ziguezagueando as cruzes... Várias cruzes de madeira formam uma cerca infinita, vários tipos, tamanhos, na medida em que vou adentrando no monte, vou sendo engolindo por uma estranha sensação cáustica de fé... A questão não é nem a quantidade de cruzes - que vão de grandes cruzeiros de pedra a pequenos medalhões -, mas sim a história que cada uma sustenta. Olhando com atenção, noto que quase todas levam uma inscrição: um nome, uma data ou, frequentemente, uma mensagem. São cruzes de agradecimento ou esperança, que carregam ambiciosos pedidos de paz mundial ou simples desejos de saúde para o neto que vai nascer.

 

A primeira menção escrita ao Monte das Cruzes foi feita em 1850, mas acredita-se que sua história tenha começado em 1831, quando diversas famílias se viram proibidas de prestar a última homenagem a jovens rebeldes mortos em um confronto contra a ocupação russa. O local já era considerado um sítio sagrado na virada do século XX, embora em 1900 se encontrassem sobre o monte apenas 130 cruzes. O grande aumento ocorreu durante o regime soviético. Anonimamente, os lituanos colocavam suas cruzes no local como forma de protesto silencioso contra o regime comunista. Moscou não demorou a considerar o monte uma provocação e, durante anos, tentou demolir o local. Na década de setenta, cerca de 500 cruzes eram destruídas ao ano. Em vão. Mesmo com a KGB montando guarda, mesmo com estradas bloqueadas pela polícia e com os boatos de epidemias na região para afastar os peregrinos, ainda assim, as cruzes continuavam reaparecendo sobre o monte a cada manhã. Com o fim da União Soviética, o status do Monte das Cruzes mudou. O local foi ganhando fama mundial, se tornou sagrado, capa do livro “O poder da Fé”.

 

Ninguém administra o Monte das Cruzes, não é necessário bilhetes para entrar nem existe horário de visita. O turista pode comprar uma cruz com um vendedor ambulante e deixá-la ali junto com seu pedido e contribuir para que a montanha continue crescendo...

 

É por causa de sua estranheza e pra sentir estas tais vibrações, que cheguei até essa parte do mundo... O local é sinistro: “Cruz-credo!” parece que entrei de cabeça no filme “Colheita Maldita” vou caminhando no meio do campo, cercado por aquelas madeiras, símbolo do cristianismo, sigo com aquela sensação incomoda, tudo parece muito bizarro, aquela pilha de cruzes interpostas desordenadamente formando a montanha... Ao atravessar a Montanha vejo uma velhinha com um pano colorido cobrindo a cabeça, sentada no meio das madeiras da fé tocando um instrumento musical medieval que não consegui identificar.

 

Quando chego num santuário sagrado imagino que aquele local me trará paz, para que eu possa meditar, que consiga entrar em contato com o divino... Mas ali, no meio daquelas cruzes intimidadoras, em nenhum momento eu consegui isso... O silêncio era muito mais forte no quesito ‘transe’ O eco dos ruídos ao redor me transportava pra um mundo sombrio da minha psique: o som de corvos que pousavam em uma das cruzes, o vento no gramado, as moscas, meus passos ressoados no capim seco... Ressenti por não ter trazido uma cruz e tê-la deixada no local, como todos os peregrinos estavam fazendo: subiam rezando e cruzando o monte, eu sinceramente não consegui ficar muito tempo ali, olhava as cruzes, algumas estátuas de Jesus penduradas como espantalhos, ursos de pelúcia crucificados, fotos, mensagem em cirílico... Chegou um grupo de turistas guiados por um padre franciscano. Todos pararam diante da estátua de Jesus e o padre começou a cantar, todos se ajoelharam, oraram e depois do ritual de colocar sua cruz em algum canto, era o momento de tirar algumas fotos com o padre naquele sítio misterioso... E depois quando o silêncio voltava minha aversão regressava junto... O calor do final da tarde também começava a me incomodar, era melhor dar o fora dali! Acho que já deu... No fundo estava feliz, tinha conhecido um lugar singular, tinha tirado fotos interessantes e sentido o local, mesmo me causando náusea, respeitava tudo aquilo, mas não me sentia à-vontade...

 

Na estação ferroviária descobri que estava no país que eles chamam de Lietuva, mas ainda não sabia se era a Lituânia, Letônia ou Estônia! Kkk... Depois que eu cruzar os três países eu descubro... Agora aqui na antiga estação de Siauliai, comendo chocolate e passando frio, espero o trem gigante chegar para retornar a Vilnius, abençoado e ressignificado...

Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO 

 

QUANTO TEMPO FIQUEI: 1 DIA (CAMINHANDO PELA MONTANHA DAS CRUZES);

 

COMO CHEGUEI: ÔNIBUS NOTURNO DE VARSÓVIA  ATÉ VILNIUS (6HS) - ECOLINES - E DE LÁ TREM ATÉ SIAULIAI (4HS) E ÔNIBUS ATÉ A MONTANHA DAS CRUZES (20M - 2 EUROS);

 

ONDE FIQUEI: DEIXEI A MOCHILA NO GUARDA VOLUMES DA ESTAÇÃO DE TREM;

 

O QUE COMI: COMI UM X-SALADA NUM FAST FOOD LOCAL;

 

COMO ME LOCOMOVI: A PÉ PELA CIDADE;

 

PRA ONDE FUI: PEGUEI O TREM DE VOLTA PARA VILNIUS E ÔNIBUS NOTURNO PARA TALLIN (8HS)

- ECOLINES

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