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Relato Paris

PARIS VERÃO!

 

Um pouco de torcicolo, nem pro assento do corredor estar vazio... Não fazia a mínima ideia em qual local de Paris o ônibus havia parado, apenas desejava que tivesse uma estação de metrô pelos arredores...

Achei a Estação Gallieni... Agora tinha que descobrir como chegar ao Albergue, esse era um dos momentos que mais adorava numa viagem independente, se debruçar no mapa do metrô, minha mente entrava no “modo avião”, eu não pensava sobre mais nada, não se lembrava das dividas, nem da namorada, Apenas me concentrava no caminho, adorava decodificar aquele mapa de linhas coloridas... Teria que fazer duas conexões, memorizar a estação que iria descer, descobrir a direção certa do trem que eu deveria entrar, fazer malabarismo com a Matrix dentro dos vagões cheios e observar o subúrbio parisiense. O cérebro se mantinha em constante atividade, por isso os dias se esticavam durante a viagem... As conexões não eram simples, caminhava por longos corredores, subia e descia escadas, fazer esse percurso com uma mala de rodinhas definitivamente não seria uma boa ideia... Havia muitos artistas interessantes espalhados naquele mundo itinerante submerso no subsolo parisiense, alguns músicos estavam tocando harpa, saxofone e outros instrumentos que nunca tinha visto antes, era uma viagem sinfônica pelos tuneis de Paris... A primeira palavra que aprendi em francês foi ‘sortie’.

Culturalmente o brasileiro compreende o albergue como um local de acolhimento de mendigos, mas não é bem isso, este albergue de Paris era como qualquer outro: um quarto cheio de beliches, com cheiro de chulé, jovens roncando ou conversando alto, se preparando pra ir pra balada, outros reclamando querendo dormir. Banheiros coletivos que não são tão limpos, por causa do entra e sai constante... Pela manhã aquela disputa por um chuveiro pra se tomar banho, ou ser o primeiro a usar a privada limpa antes que fique inacessível. Ora encontrava um banheiro sem papel higiênico, ora um chuveiro que não esquentava a água, ora alguém acendia a luz no meio da madrugada... Tem também a metamorfose da cama ao lado: A princípio, toda bagunçada, com um hippie barbudo dizendo “Nice to meet you!” e de repente, de uma hora pra outra a cama se encontra perfeitamente arrumada, sem vestígio humano, até parece sagrada, que nunca foi tocada, mas não demora muito e do lado da cama já se encontra outra mala estranha, com um sapato jogado do lado, uma toalha molhada sobre a cama, ai a gente fica tentando idealizar quem seria aquela pessoa, as vezes a gente nunca vê, antes disso, do nada, tudo está alterado novamente, agora o cheiro forte é de shampoo, uma magrela asiática entra  de calcinha vermelha no quarto e nem fala um oi, nem te olha na cara... O ar condicionado deixa alguns quartos muito frios, outros nem janela têm, e, o rangido do ventilador no teto testará seu limite de cansaço... O albergue sempre me causava o sentimento de repulsa, insegurança, fobia social, então, tentava ficar o mínimo possível no albergue, trancava a Matrix no guarda-volumes e saia pra conhecer a cidade, era quando conseguia respirar e me sentia bem novamente, eu era um daqueles hospedes invisíveis, sem rastro, alguém sem face que carregava uma mochila cheia de bandeirinhas.

O Albergue francês ficava no bairro de Clichy, cerca de quatro quilômetros do centro, hoje ele não existe mais, caminhei por cerca de uma hora para chegar à Champs-Élysées... O subúrbio parisiense era outro mundo, totalmente diferente da imagem romântica que é vendida para turistas pela mídia mundial, muitos imigrantes afrodescendentes desfilavam com seus trajes extravagantes pelas ruas da capital, de cores intensas, sem vergonha de mostrar suas raízes. A periferia era tão caótica, quanto à do centro de São Paulo: sujeira, mendigos, poluição, camelôs, prostituição... Fazia muito calor em Paris, acabei gastando todo o dinheiro do almoço com líquidos para aplacar a sede, comprava dois litros de suco no supermercado, e, como um passe de mágica, a caixinha secava, sugava até a última gota... No meio do caminho havia um morro, arriba, o antigo bairro dos boêmios: Montmartre! Procurava o glamour de “la belle époque”, não encontrei os cabarés movidos a absinto, nem as charmosas francesas desfilando por Mouling Rouge, muito menos Van Gogh vendendo seus quadros expressionistas ou alguma gueixa conversando  numa cafeteria sobre Art Nouveau. A primeira frustração turística a gente nunca esquece... Viajante inocente passa por isso, é iludido pela expectativa que cria de algo que não existe, mas as frustações vão nos lapidando, nossa visão interpretativa sobre algum lugar começará a ser determinada pela linha tênue entre a realidade e o estado da alma do viajante. Montmartre havia se tornado um bairro decadente, repleto de travestis oferecendo seus serviços à luz do dia, nigerianos vendendo drogas, e, na pracinha principal alguns pintores tentando ganhar dinheiro criando caricaturas dos turistas... A basílica de Sacré Coeur era a única parte do bairro digna de reverência, e, um belo mirante da região central de Paris, foi meu primeiro encontro com a Torre Eiffel, a íngreme arquitetura metálica destoava do mar de cimento que a cercava.

O Sena virou uma praia de veraneio, areia as margens do rio, e milhares de pessoas ali se bronzeando, quando cheguei à Praça da Concordia, o contraste com a periferia era incrível, era como se tivesse entrado na toca do coelho, e, chegado ao país das maravilhas: a arquitetura neoclássica dos prédios, o ar blasé das pessoas, as lojas de grife na Champs-Élysées, e, o Arco do Triunfo era o desfecho desta ostentação, enquanto filas se formavam para subir ao topo da imponente construção, preferi sentar na calçada e ver o pôr do sol se escondendo por detrás do arco... Que momento mágico! Os pingos dourados manchando a cor da gigantesca construção de cimento, o sol moldurado pelo arco ia desaparecendo lentamente pelo solo da Champs-Élysées, até que o céu foi tingido de um azul mais escuro, um final triunfal do dia perante meus olhos... Por onde andei por todos esses anos da minha vida, que nunca tinha parado para admirar um pôr do sol, é uma sensação indescritível, não custa nada, basta olhar para o oeste... Precisei vir até Paris, no lugar mais esnobe do mundo, pra poder valorizar as coisas mais simples da vida... Paradoxo inexplicável... Tinha que incluir a oitava regra na cartilha insólita do viajante tupiniquim: Tentar ver o pôr do sol de todas as cidades que visitar;

Um pouco mais a frente, a Torre Eiffel começava a ficar iluminada, como aquela construção metálica causava tanto fascínio nas pessoas... Será que algum turista parava para refletir sobre isso, ou apenas tirava uma foto e seguia seu caminho? Será que eu sou o único viajante paranoico que devaneia sobre tudo? Centenas de turistas estavam sentados no gramado na frente da torre, guardando o que sobrou do piquenique, eu deitei no primeiro pedaço de grama disponível que encontrei, porque estava exausto de tanto andar, meu pé doía muito, nunca mais vou viajar com tênis novo...

Estava extremamente decepcionado com o que via em Paris, só conseguia enxergar o contraste social, e as mazelas criadas pelo meu imaginário de uma cidade perfeita... Ainda não tinha experiência pra conhece Paris da maneira correta, ainda não era um viajante maduro pra compreender e saber desfrutar da cidade. Parei na pirâmide do Louvre para refrescar os pés cheios de bolhas, nas águas frescas do chafariz, meu pé estava num estado deplorável, mas eu não podia parar, entrei em um dos museus mais incríveis do mundo, boa parte do meu segundo dia na França foi dedicado a explorar os corredores do Louvre. O quadro da Mona lisa era minúsculo, fiquei desmotivado em tirar uma foto com a obra prima de Da Vinci, dezenas de asiáticos cercavam o quadro, era difícil ter um contato introspectivo com aquela obra renascentista... O setor de arte egípcia foi a que mais me agradou, era meu primeiro contato com tumbas e estelas faraônicas. Voltando para o sol escaldante parisiense, comecei a explorar lá Isle, cheguei manquitolando na catedral de Notre Dame subi a torre até os sinos, eu era movido por literatura, então queria conhecer o local que viveu o corcunda de Notre Dame, ainda tentava me agarrar ao mundo imaginário francês... Eram magnificas as terríveis gárgulas observando a cidade, olhavam cinicamente pra Torre Eiffel ao fundo, a gárgula com a mão no queixo com sarcasmo pensava: “Por quê?”

Voltando para o albergue, no bairro de Sorbonne, o menu de um restaurante tradicional parisiense me chamou a atenção, marcava 11 euros um jantar, entrei no Le Bistrot 30, indiquei ao garçom com o dedo o prato de onze euros, era meu jeito pitoresco de falar francês... O restaurante era charmoso, com baixa iluminação, revestido de madeira e simples... Depois de uns vinte minutos o garçom me trouxe o jantar: um prato de sopa; brochei... Uma das coisas que menos tenho prazer de comer é: sopa! É realmente Paris não foi com a minha cara mesmo! Devorei a sopa... Na viagem eu abro mão de alguns prazeres por outros maiores, e, o que tiver pra comer eu encaro, sem preconceitos, sem frescura... Aquela sopa nem fez cócegas no meu estômago, já ia me retirando desapontado do restaurante, mas o garçom veio correndo atrás de mim gritando: “L´entrée!” “L´entrée!”, como eu era burro, a minha pobrice me fazendo passar vergonha em Paris... Sentei novamente na mesa e ele me serviu o prato principal, um risoto de macarrão, e pra decorar o prato: uma fatia de limão... Eu nem lembro do gosto,  o fato é que não sobrou nem a casca do limão... Estava receoso, será que acabou ou ainda vem mais alguma coisa pra comer? O garçom já tinha entendido minha cara de aflição, se aproximou da mesa e disse: “L´dessert, monsieur?” “Oui, Oui!” O bom de passar vergonha no exterior é que ninguém via: Pra finalizar um delicioso mousse de chocolate... É, até que provar a culinária local não foi tão trágico assim.

Lá ia eu com minhas neuras de viajante: “Quem com sã consciência em uma viagem visitaria um cemitério? Será que eu seria o único viajante mórbido no mundo?” Mas como sempre eu estava enganado, na frente do Père-Lachaise um jovem vendia um mapa turístico do cemitério parisiense por um euro! Finalmente encontraria meus heróis de “la belle époque”, havia diversas sepulturas habitadas por artistas do mundo... O primeiro encontro foi com Édith Piaf sem sinfonia, sem nenhum ninar, depois Delacroix sem suas cores, imaginava uma tumba colorida, mas não, tudo era negro e opaco na última morada do pintor romântico...  Molière e La Fontaine foram enterrados um do lado ou outro, mas em sua lápide nem um verso de ternura. Já Balzac foi agraciado com seu busto... As maiores obras de arte faziam referencia ao massacre judeu de Auschwitz. Uma pedra asteca foi enviada da Guatemala e colocada na sepultura de um famoso arqueólogo francês. A tumba de mármore de Chopin era tão melancólica quanto suas músicas, decorada com uma estátua de uma musa, tinha várias flores, velas... Era o túmulo mais cultuado do cemitério, já na tumba de Allan Kardec senhoras de mãos dadas meditavam, tocavam a preda da sepultura tentando ter um contato espiritual com o médium, mas tirando a fervorosa oração, nenhuma ação paranormal aconteceu: o busto do espirita manteve-se invariável, os corvos continuaram piando e as nuvens do céu mantinham seu constante movimento... Andando pelos bucólicos loteamentos, levo um baita susto, alguém surge do nada detrás de uma tumba empoeirada, seria o zumbi de Oscar Wilde querendo devorar meu cérebro? Quase isso... Um roqueiro, cheio de piercing, todo de preto, cheirando a pinga, com uma rosa na mão, me perguntou: “Onde está Jim?” “Eu não sei!” depois comecei a perceber vários mortos-vivos vagando com a camisa da banda The Doors pelo cemitério, todos procuravam Jim, até que o encontrei: vi um túmulo todo pichado, cercado de mulheres, uma delas chorava copiosamente, cigarros e garrafas de cerveja eram deixadas para seu eterno ídolo: “I Love you, Jim!” Dizia emocionada uma bela jovem ruiva, mas como dizia a música “This is the end, beautiful friend...

No final da tarde caminhei pelo Parque Cité des Sciences, poucos turistas tinham se arriscado por aquelas bandas no Sábado, o que me proporcionou observar como era um dia de descanso dos imigrantes, desfrutando à tarde com seus filhos em Paris... A princípio era uma cena comum, pais brincando com seus filhos no parque, num dia ensolarado de verão, mas era muito mais do que isso, eles vinham de países com décadas de guerra, com fome... Eu compreendia aquela calmaria no parque, aquela conquista silenciosa de paz... Admirava o ‘simples’ sendo tratado como algo valioso... Tinha mais uma nova regra pra cartinha: Curtir a simplicidade da vida;

Aquele tinha sido meu dia paradoxal em Paris: Memórias de famosos que já se foram e glórias de invisíveis que sobrevivem... Um dia enfim, sem Torre Eiffel, mas por quê?

Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO 

 

QUANTO TEMPO FIQUEI: 3 DIAS

LOUVRE

2º CAMINHADA DE NOTRE DAME ATÉ TORRE EIFFEL;

3º PERE LCHAISE E MONTMARTRE;

 

COMO CHEGUEI: ÔNIBUS NOTURNO DE MADRID (12HS DE VIAGEM) E DEPOIS METRÔ ATÉ O HOSTEL;

 

ONDE FIQUEI: FIQUEI NO LÉO LAGRAND PARIS CLICHY, MAS ATUALMENTE ESTÁ FECHADO! 

 

O QUE COMI: COMPREI ALIMENTOS NO MERCADO DO LADO DO HOSTEL;

 

COMO ME LOCOMOVI: CAMINHANDO PELA CIDADE E VOLTANDO DE METRÔ PARA O HOSTEL;

 

PRA ONDE FUI: PEGUEI UM ÔNIBUS NOTURNO PARA AMSTERDAM (6HS) CHEGUEI ÀS 5 DA MANHÃ;

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