Relato Ilha Ometepe
Natal tardio
Estava em um hotel colonial decadente no centro de Rivas, hoje não iria dar pra esperar o café deprimente do hotel (chá e bolacha água e sal), antes dos primeiros raios de sol surgirem no céu da Nicarágua, coloquei a Matrix no lombo e comecei minha árdua caminhada de cinco quilômetros até o Porto de San Jorge, minhas preocupações não eram tanto sobre o meu condicionamento físico, mas sim sobre se sentir vulnerável em um dos lugares mais perigosos do mundo no “Coração da América Central”, pra quem está acostumado andar por lugares estranhos em São Paulo, rapidamente percebe o movimento suspeito por aqui, e percebe, que Rivas é uma dessas cidades cheias de malandros, uma terra de ninguém, que se você vacilar, já era...
Então seguia "Solo" e atento, madrugada adentro até o porto, precisaria de um pouco de sorte também (Sorte natalícia existe?), cruzei com alguns mendigos, bêbados que serviram pra elevar minha adrenalina ao nível máximo da tensão, mas era uma ameaça falsa... Consegui chegar são e salvo no porto antes das seis, na areia alguns ônibus arcaicos estacionados, do lado nicaraguenses sentados na areia aguardavam o embarque no ferry, preparavam seu café em uma fogueira improvisada: parecia feijão, tinha pão e pinga também... Tentando me afastar daquela gente esquisita e um pouco assustadora, fui até a margem do Lago Cocibolca ver o nascer do sol, solitária uma garça se alimentava no lago, ao fundo o vulcão Concepcion estava coberto por nuvens, ventava bastante.. Só por aquela linda paisagem com o nascer do sol já tinha valido a pena a caminhada insana... Correr riscos as vezes é necessário, a recompensa vale o esforço...
A travessia até a ilha de Ometepe durou cerca de duas horas, e, depois de atracar no porto de Moyogalpa pude finalmente tomar meu café da manhã, rapidamente deixei a Matrix em um hostel no centro da cidade, onde ficaria hospedado futuramente, aluguei uma bike velha por 6 dólares por dia, e, sem perder tempo cai na estrada que margeava a ilha entre os dois vulcões, a estrada que circundava toda a ilha tinha aproximadamente 90 quilômetros sendo 50 de terra... A bike não me ajudada muito, rangia mais que cigarra e as marchas estavam enguiçadas, pesava mais que tudo, mas era o que tinha pra aventura, tinha que bastar...
A vegetação que margeava os vulcões era diferente de todas que já tinha visto, era exuberante, de um verde mais intenso, o tipo de terra parecia turbiná-la, quando me escondia do sol de debaixo de uma árvore, para me refrescar, encontrava lindas urracas cantando, eram lindas aves de um azul celestial, o difícil era conseguir fotografá-las, ao me ver sempre se escondiam na copa das árvores...
Cruzava alguns vilarejos, que por vezes pareciam cidades fantasmas, outros pareciam uma pequena favela, um monte de barracos amontoados entre árvores, assim foi Quino, Bague... A verdadeira beleza do caminho estava em admirar o vulcão em toda suma imponência, ele estava sempre lá, colossal, no coração da ilha...
Até que comecei a ver algumas árvores estranhas, envolvidas por algo, mas o que seria? Fui xeretar e levei um susto... Aranhas! Várias árvores, dezenas delas, totalmente cobertas por teias de aranhas, era uma cena macabra, melhor não procurar pelas aranhas, rapidamente me imaginei em um daqueles filmes de terror coberto por teias de aranha sendo devorados por elas...
Depois do Vilarejo de Santa Cruz, começou a ficar dificultoso pedalar com aquela bike pela estrada de terra, cheia de pedra, com costela de vaca... Chegando a Mérida, desgastado pelo dia intenso e pela trepidação infindável da minha carcaça sobre a bike... Meu corpo começava a pedir arrego... Continuei por mais cinco quilômetros, naquela hora do dia o vulcão Maderas estava praticamente coberto por nuvens, próximo ao vilarejo de San Ramon parei para apreciar um pouco o Pôr do Sol às margens do lago... Viagens não são sobre correr pra chegar e sim sobre admirar o caminho, por vezes precisava parar, respirar fundo e degustar do momento, do silêncio, do que a natureza estava me convidando a ver, a sentir, detalhes sutis que deixamos de nos atentar...
Procurei uma pousada, algum lugar que pudesse dormir naquela noite, antes que anoitecesse, encontrei uma por 18 dólares... Era um preço caro diante dos valores que tinha pagado na América Central, mas naquele fim de mundo não tinha muitas escolhas, então exausto, pra relaxar, provei uma cerveja local e com o cair da noite, um presente da mãe natureza... O meu chalé ficou iluminado de verde, ao redor dele milhares de vaga-lumes traziam brilho pra ilha, que momento mágico... As luzes de Natal piscavam na escuridão úmida da ilha, lampejos de brilho verde na grama, nas árvores, na bicicleta... Me fizeram relembrar que esses insetos fizeram parte da minha infância e não existem mais onde moro... Esse foi meu presente de Natal tardio... Obrigado mãe natureza por tudo... Deitei e apaguei, foi simples assim sonhar com o Papai Noel...
Marcelo Nogal

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A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (PEDALANDO PELA iLHA);
COMO CHEGUEI: FERRY EM RIVAS (PORTO DE SÃO JORGE ATÉ MOYOGALPA
ONDE FIQUEI: EM UM DOS VÁRIOS HOSTELS DE MOYOGALPA;
O QUE COMI: COMI MACARRONADA;
COMO ME LOCOMOVI: DE BICICLETA;
PRA ONDE FUI: VOLTEI DE FERRY PARA RIVAS;