Relato Simonstown
"HAJA ESPERANÇA - UMA AVENTURA NA ÁFRICA DO SUL"
Na estação central da Cidade do Cabo pegamos um trem suburbano para Simonstown, o amarelão... Queríamos chegar ao ponto mais longínquo, mais distante do continente africano, chegar no "Cabo da Boa Esperança", onde o horizonte finda, na mistura do céu com o mar...
Rapidamente notamos algo estranho dentro daquele vagão, éramos os únicos brancos! A cada estação que o amarelão parava, víamos “os brancos”, eles estavam ali, subiam no trem, mas não naquele vagão... Não havia placas dizendo: "Este vagão são para os brancos" ou "Este vagão é só pra negros" Obviamente percebi que o Apartheid velado ainda existia, talvez naquele momento até no meu âmago, pois eu me incomodava de ser o único branco ali, já os negros não davam a mínima, não se importavam, apenas sorriam e diziam: "Jambo", naquele trem começou o processo de transformação da minha alma. A alma foi ficando mais negra, mais feliz...
Chegamos à Simonstown, as agências ofereciam pacotes pra ir até o Cabo da Boa Esperança, um tanto quanto caros, no qual ficaríamos enjaulados dentro de um ônibus, era assim que “os Brancos” vivem na África do Sul: Enjaulados em vagões, condomínios fechados, veículos 4x4... Não... Nós éramos livres, tínhamos que chegar no fim daquele continente com nossos próprios pés... O Cabo da Boa esperança ficava a 30kms dali...
Como sempre, tenho ideias malucas, logo sugeri: "Que tal alugarmos uma Bike e irmos até lá?" "60kms ida é volta por estrada que você nem conhece, depois de ter escalado o Table Moutain! Você só pode ter merda na cabeça!" "Não sei ao certo o motivo do Cabo ter esse nome, mas temos que ter esperança, nós vamos conseguir..." E lá estávamos nós de Bike, com o coração acelerado, pensando: "Por que eu fui ter essa ideia..."
A paisagem era incrível do Oceano Indico, íamos margeando a serra, subindo mais e mais, tentando manter o fôlego e a esperança, mas surgiam as placas da infinita Highway dizendo: "Permaneça com as janelas do carro fechadas, Babuínos selvagens na estrada!" Opsss... Como assim!? Disse pro Tio Nelson: "Acelera, que lasco... Nossa Bike não é anti-babuíno não!" Começamos a subir a Íngreme serra, que parecia não ter fim, pensei "Será que vou aguentar, não pedalamos nem 5kms e já estava mortinho!" Até que encontramos um soldado com uma bazuca na mão atirando na mata bombas de gás, me disse aos gritos: "Vamos, subam, rápido enquanto afasto os babuínos!" Opsss! Como assim!? A esperança aqui era torcer pra não aparecer nenhum babuíno enquanto cruzávamos aquela parte da estrada...
Cheguei exausto no cume da serra, mas que paisagem... A liberdade de estar ali valia muito a pena... Mas ainda estava no meio do caminho, tinha que continuar a pedala, cruzar aquele pedaço de continente até o ponto que o Oceano Índico se encontrava com o Atlântico...
Nessa parte da Infinita Highway o vento era muito forte, em alguns trechos o vento nos empurrava nas subidas, em outros nos chicoteava tentando nos derrubar de cima da Bike, de repente um ônibus jaula cheio de turistas “brancos” passava pela estrada, e, quando nos via era aquela comoção: aplausos, gritos "Vocês são incríveis!" "Ualll"... Uma motivação a mais, enquanto o suor escorria por todo o corpo...
E imaginem, foram cinco horas pedalando, intensamente, parando em praias para admirá-las, até que finalmente lá estava a placa... Do nosso destino, o nosso limite, as pernas já trêmulas, exaustos como duas crianças, jogamos a bike no chão... Tínhamos conseguido! Estávamos no fim do continente, não enjaulados, mas alados... A alma black quase não cabia dentro de mim, ostentava a Esperança... A Boa jornada... Mas ainda não acabou, comemos pão com atum, descansamos um pouco, e com esperanças renovadas (nem tanto) tínhamos que voltar todo o percurso... Mais cinco horas... Aiii minhas pernas... Haja esperança!
Marcelo Nogal


%20nogal_JPG.jpg)