Relato Alto Caparaó
Fábula: A escalada e a metamorfose.
Em Belo Horizonte pegamos um ônibus que seguia à noite para Manhumirim, ainda pela madrugada já havíamos chegado ao Terminal Rodoviária da pequena cidade, algo parecido com um mercado, que por sinal ainda estava fechado. Sentamos na calçada atrás de uma banca de jornal, pois ventava muito, faltava só uma garrafa de cachaça para sermos confundido com os bebuns locais!
Eles vinham de algum rodeio, eu imaginava isso, porque atravessavam a avenida com roupa de caubói: Botas, cinto, chapéu... Vinham bêbados, cantando músicas de Chitãozinho e Xororó, nos olhava com estranheza, como se fossemos uma metamorfose ambulante, sentados ali no chão e seguiam seu caminho.
Até que amanheceu, o Terminal abriu e compramos uma passagem para o Alto do Caparaó. A viagem levou cerca de 2hs, os ônibus saem três vezes ao dia. Compramos pão e queijo, um litro de achocolatado e bolacha num mercadinho, a cidade é pequena e fica cerca de um quilômetro do parque nacional.
Desta vez seguimos a pé, pelo caminho encontramos algumas pousadas e agências que ofereciam o passeio, alugavam até burros para a subida, mas não! Iríamos caminhando os vinte e tantos quilômetros até o cume do Pico da Bandeira, olhávamos para a montanha e um dizia para o outro: “É La que vamos chegar!” mal sabíamos, que aquele não era o topo e que não conseguíamos enxergá-lo da cidade, pois fica encoberto por outras montanhas que o cercam.
Registramos nossos nomes na entrada do parque, e seguimos empolgados, sem guia, sem saber o destino correto, sem estar verdadeiramente preparado para o desafio... Éramos apenas jovens empolgados pela aventura de chegar até o topo. O terceiro mais alto do Brasil com 2890 metros de altitude.
A primeira parte era penosa... Seis quilômetros íngremes em uma estrada de terra em ziguezague, mas a sorte nos ajudou, uma perua que subia até local do primeiro mirante nos deu uma carona, nos poupando caminhar por cinco quilômetros até a Tronqueira.
Daquele ponto a visão já era linda, podíamos observar a cidade de Caparaó pequena aos nossos olhos. Quem quer vir de carro, eles chegam até aqui somente, da Tronqueira pra frente só na caminhada. Nós temos três opções: seguir para a esquerda e ir até as quedas d’água do rio José Pedro e a cachoeira Bonita no Vale Encantado;
Seguir para a direita e ir às cachoeiras e a gruta no Vale Verde, ou continuar subindo, rumo ao pico da Bandeira.
Sem se preocupar muito com nossa resistência, o maluco beleza aqui ia empolgado para a esquerda, direita, tirava fotos aqui e acolá, entrava na gruta, se divertia no parque como uma criança... Até que resolvemos continuar nossa subida, antes paramos para comer os pães, nesse momento da merenda, os quatis surgiam da mata tentando ganhar um pouco de comida, vinham até nossas mãos, pegavam um pedaço de pão e fugiam mata adentro.
Agora era hora de encarar a subida até o topo. Pelo caminho uma flora encantadora! Na trilha avistávamos muitas borboletas, íamos seguindo uma seta vermelha no chão que indicava o caminho. Era Domingo e víamos muitas pessoas descendo a trilha, isso era bom, pois teríamos o pico somente para nós, por outro lado era ruim, pois se acontecesse algo, quem nos ajudaria?
Quando avistávamos uma corredeira, enchíamos o cantil, já estávamos exaustos, a mochila a essa altura, pesava e muito! Parávamos para respirar, descansar, restabelecer a energia... E o pensamento era: “Falta muito!” “Será que estamos no caminho certo!” Continuávamos a subida interminável, o dia ia se esvaindo pela montanha, até que finalmente chegamos ao terreirão, ali ficava a casinha de pedra onde dormiríamos! Outro pensamento insano nos apoderou: “E se estivesse ocupada, onde ficaríamos?”
Não trouxemos barraca... Mas na verdade estávamos sós, esgotados jogamos a mochila no chão e deitamos no extenso gramado e instantaneamente dormimos, literalmente apagamos por algumas horas daquela tarde, ao acordar tivemos o prazer de ver o pôr-do-sol em cima da montanha. Um espetáculo lindo, um dos maiores que já vi, junto vinha um clima nostálgico pela quietude local, batia uma melancolia naquela imensidão silenciosa, de lá podíamos avistar, agora sim, o pico da bandeira, os últimos quilômetros, que faríamos ao amanhecer, agora só restava cantar uma música em meio aquela imagem paradisíaca...
Hora de arrumar madeira para a fogueira, pois a noite esfria no cume, coletamos alguns gravetos, mas a grande maioria estava úmida. E fazer fogueira não é tão simples como nos filmes de acampamento que tínhamos assistido, ainda éramos principiantes, sem contar que a noite na relva realmente é assustadora, ao sair da casa de pedra para pegar alguns gravetos avistei em cima de um monte um lobo guará, gritei, chamando meu amigo, mas meu ato fez com que o animal fugisse mata adentro.
Não conseguimos acender o fogo com os gravetos, então tiramos o atum que trouxemos da lata e a enchemos com álcool. Essa foi nossa fogueira improvisada! A madrugada foi incrivelmente fria e levamos um susto com um inseto que entrou na casa de pedra, levado pelo calor da fogueira. Pulamos do saco de dormir assustados, imaginando ser uma cobra, mas não! Era uma imensa barata das montanhas que havia entrado! Depois do susto, saí da casa de pedra, e tive mais um daqueles deslumbres inesquecíveis: O céu, as estrelas, a via láctea, tudo era magnífico e estava ali diante de meus olhos, não me importava com o frio das montanhas, a visão do céu era encantadora, jamais tinha visto o céu tão estrelado antes...
Amanheceu e novamente estava fascinado e como tudo na montanha virá espetáculo, os detalhes mais simplórios como o amanhecer ressurgiam com encanto aqui no Caparaó, as nuvens todas assentadas sobre a montanha, estávamos sobre elas e o brilho do dia atrás, que miragem...
Não podíamos perder tempo, tomamos todo o achocolatado, deixamos as mochilas na casa de pedra e subimos o restante do caminho, minhas orelhas doíam devido as frias rajadas de vento no platô, (2370mt) chamado de Vale da Macieira, daqui pra frente a água estava fracionada, a parte final da subida se tornava quase uma escalada, pois as paredes da montanhas iam se verticalizando, faltava pouco, a cruz do cume estava próxima, ofegantes depois de mais algumas horas de caminhada, havíamos conseguido! Estávamos no topo do Pico da Bandeira... Como um garoto pulava em cima da montanha, eufórico olhava para os quatro cantos, de um lado o estado de Minas Gerais, do outro o do Espírito Santo...
Outra belíssima visão como tantas outras que me acostumei a ver por aqui, fazer o caminho até o cume realmente era um experiência incrível. Muitos dizem: “Subir um morro pra quê?” Eu sabia o verdadeiro sentido! Sentido esse que só sabem as pessoas que veem até aqui! Não fomos até o Pico de Cristal, não tínhamos mais tempo...
Hora de descer, é nesse momento de descontração, que deixamos a atenção de lado, e, que acontecem os acidentes, cai durante a descida, mas não me machuquei.
Agora tínhamos que correr contra o tempo, o ônibus saia às 14hs do Alto do Caparaó... Como para descer todo santo ajuda, pegamos as mochilas e seguimos a toda velocidade, meu amigo caiu algumas vezes durante a descida, só alguns arranhões para os recuerdos, continuávamos a maratona, mas não conseguimos chegar a tempo... Chegamos exauridos às 16hs na cidade, momento para sentar no chão e esperar a saída do último ônibus para Manhuaçu. Quando as pernas esfriaram vocês nem imaginam o que aconteceu... Mas digo, valeu à pena... Só não serei tão irresponsável na próxima vez... É... A montanha transforma as pessoas mesmo. Estou precisando de um banho...
Marcelo Nogal



A MISSA DO MOCHILEIRO
QUANTO TEMPO FIQUEI: 2 DIAS (SUBIR ATÉ O PICO DA BANDEIRA);
COMO CHEGUEI: ÔNIBUS NOTURNO DE BELO HORIZONTE ATÉ MANHUMIRIM, DEPOIS ÔNIBUS ATÉ CAPARAÓ (2HS) E MAIS 2KS DE CAMINHADA ATÉ A ENTRADA DO PARQUE;
ONDE FIQUEI: DORMIMOS NA CASA DA PEDRA NO CAMPO BASE DA MONTANHA;
O QUE COMI: LEVAMOS PÃO COM QUEIJO;
COMO ME LOCOMOVI: A PÉ;
PRA ONDE FUI: PEGAMOS UM ÔNIBUS ATÉ A BR116 E DE LÁ OUTRO ÔNIBUS ATÉ SÃO PAULO (12HS);